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Foto: www.companhiadasletras.com.br/

 

ZULMIRA RIBEIRO

 

Zulmira Ribeiro Tavares, nasceu em São Paulo, capital, em 1930. É pesquisadora e ministrou curso de pós-graduação em cinema na Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo (USP). É integrante do conselho da Cinemateca Brasileira.  Prêmio Jabuti 1991.

        

 

Extraído de

 

HOLLANDA, Heloisa Buarque de, seleção e introdução. 
26 POETAS HOJE. Rio de Janeiro: Editorial Labor do Brasil, 1976.  206 p.  ilus.   18 cm. (Coleção de Bolsos Labor, 1) 

Inclui os poetas: Adauto, Afonso Henriques Neto, Ana Cristina César, Antonio Carlos de Brito, Antonio Carlos Sechin, Bernardo Vilhena, Carlos Saldanha, Chacal, Charles, Eudoro Augusto, Flávio Aguiar, Francisco Alvim, Geraldo Eduardo Carneiro, Isabel Câmara, João Carlos Pádua, Leila Miccolis,s Leonardo Fróes, Luiz Olavo Fontes, Ricardo G. Ramos, Roberto Piva, Torquato Neto, Vera Pedrosa, Waly Sailormoon, Zulmira Ribeiro.

 

         Um estado muito interessante

        Conheço o meu país
no escuro — pelo tato.,
E se me amarram as mãos nas costas
conheço pelo cheiro.
E se me tapam o nariz
ainda assim conheço o meu país
pelo que dele sobra
à minha volta.

         Não conheço o meu país pela boca.
Não conheço o meu país pelos ouvidos.
Não conheço o meu pelos olhos.

         O que a boca solta o ouvido não encontra,
o papel não grava, o olho não recorta.

         Conheço o meu país
mas não conheço de dentro.
Também não o conheço de fora.
Conheço-o de lado.
Quer dizer que o conheço
sem relevo.

         Muito curioso esse país rasante
como um voo rasteiro.

         Meu país bicho-de-concha
para dentro de sua casca
sem contorno.

         Muito curioso esse país no escuro
sem local exato de pouso
para os dedos.

         Muito curioso esse país de cheiros
sem apoio.

         Muito curioso
e muito interessante.

         O termo é este.

         Um país interessante
sempre acaba
em trabalho de parto?

         inevitavelmente? não há outra saída
além daquela prevista na barriga?

         Um país muito barrigudo
é uma mulher inchada —
de basófia ou filhos?

         A comparação não cabe, entre pessoas
estados, de corpo, alma
e federativos?

         Ou cabe até demais?

         É isto mesmo.
Tudo cabe em um país.

         Ou não?

         Como tirar a dúvida?
Por exclusão
do que primeiro?

         estados? almas? pessoas?
o que fica? sobra? federação? filhos?

         O que faço
se não controlo as respostas
pela boca; assobio?

         Deixo passar em brancas nuvens
os que o olhos não viu
se tinha cores?

         Por que não me conformo
pelo meu país a gastar menos
a só usar uma narina e um dedo?

         Por que o anseio
de vir a conhecer a raiz dos cheiros
relevos posição dos corpos mares rios
rotas ares esquadrias?

         Tão sentimental vou indo
olhos de leitura sem legenda
e boca sem sentenças

         indo estou voltando
ao ponto de partida

         No escuro meu país é simples.
Dois sentidos bastam.
E sobram.

         Sem nenhum sentido
meu país teria
a mais perfeita ordem.

 

        Termos de comparação

        São lidos por especialistas
um pequeno círculo
ávido.

         A avestruz é um bicho-raro.
O poeta uma ávis-trote.

         A avestruz engole
tudo: parafusos em princípio.
O poeta não
digere uma
única partícula.
Tudo: fica-lhe atravessado.
no papel, para tanto
estraçalha e regurgita —

                                      Ei-la: a Arte!

         Com quantas letras escreve-se “destroço”?
e “pútrido”?
com quantas, “estrutura”?

         Para escrevê-las
com quantos dentes mastiga-se?
para romper certas palavras
o que se morde? o que sangra de início,
a língua?
Mas quem morde a língua
é o arrependido,
o que se cala.

                            Por isso o avestruz
é o bicho cândido.
O poeta, o tão difícil.

         Todo mundo sabe que ela é simples.
Cada enciclopédia a determina.
Ninguém confunde
a localização das plumas
o bico contra o peito: direção na fuga

         o parafuso dentro
do estômago.

                            Vamos devagar com os poetas.
Por que são aves?
Porque regulam o peso de seus braços
e conforme cismam — voam.

                            Ávis-trotes porque pulam
inesperadamente
e quebram os braços.

         Lidos por um grupo ávido.
Por que ávido?
por que de especialistas?

                            por que lidos?

         Porque:
não engolem
nem recusam

                            porque atrapalha
o comum espetáculo circense
do parafuso descendo pelo esôfago
o seu engasgo, o seu espasmo

         Porque são
intrusos.
Não aceitam ávis-trotes
nos circos — Não comem espadas
muito menos fogo.

         Porque se juntam
ao comum dos espectadores
na arquibancada
mansamente digerindo sobras.

         Porque não têm país certo
assinalado no mapa
como sói acontecer às avestruzes.

         Seu país é:
Nenhures.

         Terra de difícil acesso
sujeita tanto
aos roedores
quanto à ação
das irradiações atrozes.

                             Em Nenhures
os acontecimentos desencadeiam-se fatais
ou, ao contrário, lúdicos.

                             Por exemplo, em Nenhures
as unhas crescem
sozinhas do solo
simples para
beliscarem certas
zonas glúteas.

         É o cúmulo! — dizem todos —
É impensável!
Num país sujeito a irradiações
e à fatalidade
as unhas crescerem
e para isso!

         Por isso os especialistas se interessam
Por isso sabem
São especialistas, por isso
poucos.

         A ávis-trote
— nome científico, o vulgo a conhece por poeta —
também
é estudada nas escolas
fora do círculo.

         Mais escassas fazem-se as respostas
a curiosidade nas crianças amaina-se
acalma-se, o poema: ovo choco minha vez
pois o poeta é fase histórica
não escapa —

         raramente põe-se
como objeto de estudos.
Do seu autor, pouco provável que se tenha
uma noção menos confusa.

                  O povo aclama a avestruz!
as plumas! ah!
a esplêndida
aventura audaz do parafuso!

 

         O miolo do sonho e o dente de alho

         Quando percebi que os meus sonhos
não eram os sonhos dos meus sonhos
acordei extremunhada.

         Ao verem meu rosto de sombra
Perguntaram:
Foi insônia?

         Respondi:
Foi o contrário.

         Ontem à noite ao invés de alhos
por temê-los no olfato
(afinal não sou uma rosa?)
decidi comer nuvens.

         Conclusão?

         Elas incharam.

         E os comedores de alhos?
Não veem o barulho que fazem
rindo às bandeiras soltas?

         De que se riem? Das sombras?
A que rescendem? Não temem?

         Não temeram o seu cheiro: transpiraram.
Não pegaram no sono: o soltaram.
Não perderam a cabeça: a ganharam.

 

Página publicada em junho de 2018

 

 


 

 

 
 
 
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