VANDERLEY MENDONÇA
Vanderley Mendonça, autor do livro Iluminuras, é editor do Selo Demônio Negro, jornalista, designer e tradutor. Formado em design gráfico e pré-impressão pelo RIT (Rochester Institut of Technology, EUA) e Design Tipográfico na Hochschule fuer Grafik und Buchkunst, Leipzig (Escola Superior de Artes Gráficas e Editoriais). Traduziu, entre outros livros, Poesia Vista, antologia bilíngue, do poeta catalão Joan Brossa (Amauta/Ateliê, 2005); Crimes Exemplares, de Max Aub (Amauta, 2003); Nunca aos Domingos, de Francisco Hinojosa (Amauta, 2005) e Greguerías, de Ramón Gómez de La Serna (Selo Demônio Negro, 2010).
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTO EM CATALÃO / CATALAN
MENDONÇA, Vanderley. Iluminuras. Poesia – Tradições / Traduções. São Paulo: Editora Patuá, 2012. 138 p. 16x23 cm. Capa: Leonardo Mathias. Tiragem: 500 exs. ISBN 978-85-64308-88-66 “ Vanderley Mendonça “ Ex. na bibl. Antonio Miranda
Iluminuras eu chamei aquelas partes dos poemas que
me guiaram ao longo da vida como leitor e que me
dão o dom de luzir quando falo delas. Nomeei-as as-
sim por que têm uma função imagética nas minhas
leituras. São o que se fixou em mim. Desses fragmen-
tos de poemas, canções e citações fiz minha tradição.
Mais do que tentar traduzi-los tentei revivê-los, al-
gumas vezes liberando os versos da régua das formas
rígidas e até das rimas, que por mais belas traem. Há
beleza na literalidade da palavra. Garimpei o ouro
das iluminuras inscritas nestes versos, brilho de mi-
niaturas, portáteis. Carrego-os comigo na memória e
divido-os aqui com você que me lê.
VANDERLEY MENDONÇA
que lua te celesta
no céu que te divina
?
que girassol te imensa
em dia que te luz
?
que deus que diabo
te abraça te devora
?
que verbo te cobiça
que hora te demora
?
que jardim te aflora
que canto te encanta
?
que sonho te imanta
que desejo te implora
?
CONVERSA COM O POETA E. M. DE MELO E CASTRO I:
— É por dentro dos olhos que a matéria é.
— O que faremos, então, com o uso invisível dos
sentidos?
— Escrever, apesar de ser a pior maneira de produzir
sentidos, por que é enigma. Uso do visível para sinalizar
o invisível.
sob o sol de
setembro
me lembro
de ti e do amor
escorrendo,
lágrima e dor.
já não me entendo
e só me contento
com o que mereço:
o fim virar começo.
entre o sim e o não
quantos versos terão?
existe ponte para amor distante?
desses que nem cabem na gente?
como disfarçar no outono
essa dor sem dono?
invadir teu sono
e sonhar teu sonho?
NUM PAIS DISTANTE
Tentaste de tudo e só te restou a escrita.
Soubeste que um poema polido com dor é diamante.
Ouviste que na poesia imagem quer ser palavra.
E nela experimentaste a morte, mesmo sem morrer.
Enquanto o vento desmantelava a tarde,
Esperaste a noite como destino.
Escreveste sob a lua e sua mortalha de luz que te cobria.
Atravessaste o vidro da noite
E sem morrer, morreste mais.
CONVERSA COM O POETA MARCELO ARIEL
— Que prova da existência será maior
do que esperar o imprevisto,
sem a angústia de pensar que,
mesmo imaginado, o que se deseja existe?
— Às vezes a vida abre uma clareira no tempo
para nos mostrar um segredo que o sol guardou.
Incertezas também são possibilidades.
TEXTO EM CATALÃO / CATALAN - TRAD. PORTUGUÊS
trobar la felicitat
és oblidar la temptació de provar
el que el cor inquiet sent.
la vida és somni.
nomes l'amor és el real.
lenamorat
és l´únic que està despert.
buscar a felicidade
é esquecer a tentação de provar
o que o coração inquieto sente.
a vida é sonho.
só o amor é o real.
o apaixonado
é o único que está acordado.
[poema escrito originalmente em catalão]
MORT:PARAULA
la paraula mort no mor
no té fi ni tomba
no és dolor ni ombra
la paraula mort és
mors mot
dins de la paraula mort
el verb falleix
i el silenci neix
MORTE:PALAVRA
a palavra morte não morre
não tem fim nem tumba
não é dor nem sombra
a palavra morte é
mors mot
dentro da palavra morte
o verbo falece
e o silêncio nasce
[poema escrito originalmente em catalão]
Vanderley Mendonça e Antonio Miranda na Livraria Hussardos em São Paulo 8/2014
TRINTA ANOS-LUZ. Poetas celebram 30 anos de Psiu Poético. Aroldo Pereira, Luis Turiba, Wagner Merije, org. São Paulo: Aquarela Brasileira Livros, 2016. 199 p. 16x23 cm ISBN 978-85-92552-01-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
Poemas dedicados à Francesca Cricelli
1.
O ANJO BOM QUE VEIO
Chegou como eu queria
Como eu chamava um anjo.
Não daqueles que vêm do céu
Das estrelas nem dos sonhos
Nem das luas sem pátria.
O anjo que me veio tem nome:
É Francesca o seu nome.
Tem cabelos densos e negros
Atados pelo silêncio
E um sorriso de mover cristais.
Um anjo bom veio
E cavou a luz do meu peito,
Fez a minha alma navegar
Sem arranhar os ares.
2.
Canto, letra e carne;
Via de paisagem em alameda,
Rosa, lira e alma imortal
No coração do mundo.
Ela veio azul
Com um nome lindo
Francesca:
Uma mulher morena
que caçava pássaros
com rede de vento.
(...)
CONTRASTE DA AMÉRICA: antologia de poesia brasileira. Organizador Djami Sezostre. São Paulo, SP: Editora Laranja Original, 2022. 189 p. ISBN 978-65-86042-40-5.
Ex. biibl. Antonio Miranda
1
MAR DE OUTUBRO AZUL
I
é urgente um barco
descobrir mares e rios
carregar a luz do cais
e cantar até doer
II
se o vento não chegar
irei ao mar buscar o vento
se me custar uma vida
a tormenta valerá a ida
III
mar, tua voz azul
ensina os corações
compassivos
descansarem
dos caminhos.
mar, teus olhos
verde enxergam
o que há em mim
na calma.
2
A VIDA AVISA (Poema à maneira beat)
Para Juliana Di Fiori
O caráter absurdo do amor é que ele só existe porque não existe.
E é em alguns momentos da memória que temos a certeza absoluta
da sua existência. (Roland Barthes)
O ônibus amarelo que vai, rumo à noite do desejo
o ônibus verde que volta, nas manhãs de despedida
A rua Canto do Val e a solidão
Av. Augusta, a Frei Caneca
O Cemitério de Automóveis: uma cerveja
A av. São João, a rua Araújo, as igrejas
A azul do metrô para voltar
A av. Angélica par descer ade bicicleta
O destino no mapa: um traço do Ed. C ao Ed. A
Higienópolis e o Paraíso
Bruxelas e Barcelona
O Cabaret Voltaire, Apollinaire
A Casa das Rosas
A Biblioteca Mário de Andrade
Buenos Aires em janeiro
O bairro Flores
A calle Bacacay
O Sarkis, Muytra, Basterma e Jambra, na última vez
O Halin, na primeira vez
Rinconcito, a lo pobre
Ceviche ou Caldo Verde?
Chá com bolacha
Pão na chapa
Toddy com leite
Cerveja Sol com limão
Guacamole no frio de rachar
Heineken congeladas
As embalagens das coisas
Futebol e Esgrima
Corinthians e Catalão
A cor azul
O azul do céu que não sai em fotografias
A tinta azul que não sai dos pés
O azul dos sofás nas salas de estar
Cadeiras coloridas e mesas brancas
Augusto & Lygia
Dias Dias Dias
A tipografia, a risografia, imprimeria
Traduzir & trovar
Beatriz de Raimbaut
As noites de São Lourenço
O mar de qualquer lugar
into the Wild, Nit d´Estiu
Milton e Itamar
Jorge Drexler, Fito Paez
Flanders, Petit, Rubel
“Chunga”
O jornal nas manhãs de sábado
El amor después del amor
3
para Win Mertens
o que era apenas uma música distante
— riso de crianças num parque de diversões —
se converteu em som de sirenes de ambulâncias
restou a pintura azul amarela e vermelha na parede
último sinal de vida, já ninguém olhará para ela
a morte voltou! Parecia que não iria nos pegar
era o lugar da alegria, para entalhar vida, olhar
um nome antigo e o dom de alguém distante,
gotas d´água que gastam pedras lentamente
a morte voltou! calou o sorriso da moça;
um dia antes, o poeta olhou o relógio e pulou,
loreley! a canção da morte que chama por nós
*
Página ampliada e republicada em julho de 2023
Página publicada em setembro de 2014; ampliada em julho de 2016.
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