Foto: https://www.facebook.com/
SONIA SALES
Carioca, transferiu-se para São Paulo, onde vive há 23 anos. Com formação em Psicologia e Arte, e cursos de extensão em Londres, Munique e Bruxelas, dedica-se à poesia, ao ensaio e à literatura infanto-juvenil.
Seu livro de poesia, Os dedos da morte, recebeu em 2007 o Prêmio Menotti del Picchia, da União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro.
“Você encontrou momentos de verdadeira criação lírica, e o corpo geral do livro é de constante e estável valor. Senti uma forte, convincente expressão de um solidão existencial rica e capaz de traduzir-se em encantos. Desde já lhe digo que alguns poemas a colocam na parte alta da poesia brasileira contemporânea expressa por poeta no feminino. Naquele nível verdadeiramente precioso da grande poesia brasileira moderna de uma Hilda Hilst, Marly de Oliveira, Renata Pallotini, Lélia Coelho Frota.” SILVIO CASTRO
De
Sonia Sales
SOL DESATIVADO
Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2010.
100 p. ISBN 978-85-7749-076-9
INFINITO
Imaterial, impura
morte inalterada,
sem as plumas da vitória
o pássaro agoniza
no universo surreal.
O infinito.
MEDO
A garça se espreguiça
com indizível ternura
é o momento
da despedida.
Na escada de caracol
dançam bailarinas casuais
soletrando músicas de coro.
Com nervos tensos
as feras espreitam
para dar o bote.
O medo paira no ar.
MAIS UMA VEZ
Amor na casualidade
do texto, como o cristal craquelado
não extingue a letra trêmula
o pranto desalentado.
Nas muitas camadas do vidro
colocaram o ciúme como
cor, cortado pelo meio
com lâminas de sangue.
Mas o remédio não tinha bula
e sem saber o conteúdo
bebemos todo o restante.
Esquecendo o cansaço
começamos outra vez.
De
50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR
Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2007.
ISBN 978-85-7749-027-1
"Os seus 50 poemas escolhidos constituem uma alta lição de lirismo e sinceridade, aquela sinceridade de expressão que somente encontramos nos poetas da estrutura de Manuel Bandeira, em quem o simples e o humilde ocultam a mais densa complexidade." IVAN JUNQUEIRA, da Academia Brasileira de Letras
NO ELEVADOR
Neon em reflexo de estrelas.
Cristal em céu costurado
de espelhos.
Um quadrado maior que o Universo.
O elevador parou entre
o quinto e o sexto andares
sem computador, nem ampulhetas.
Num instante,
centenas, milhares de anos.
O espaço cósmico em branco.
Um homem, uma mulher,
como no início do início.
SEREI EU, OU SERÁ ELA?
Serei eu, ou será ela?
Na ilusão do ser, na gêmea do meu ego
onde me escondo, onde me deito
da minha aura a convulsão em luz, no deserto
de um coração sem teto, incerto
sem a verdade do seu espaço, em aconchego
cúmplice do espelho que me olha e me deseja
para saber ao certo qual a imagem
que me cerca, eu ou ela?
Falsa ou verdadeira, face oculta
na máscara da tortura, de um rosto
que não é o meu, mas ainda assim
me espreita, no silêncio e na amargura
do meu casulo
na frustração da minha alma descoberta
MIGRANTES ANDORINHAS
Plena de vida, a alma
é música, em asas de
tapetes voadores e castelos
assombrados.
Na arcada da igreja, vitrais
Derramados em luz, nos olhos
das andorinhas.
Rebeldes andorinhas, teimam
em reconhecer o inverno, no vidro
da primavera.
Migrantes andorinhas, levam
para longe o sol, em lagos
de esferas e sementes de paixões
germinadas.
Não toca mais o violão,
diluíram-se as serenatas, nos
rachas e na morte dos andróides.
O meu silêncio tornou-se o uivo
do coração flechado.
SALES, Sonia. Da essência ao divino. São Paulo: ESPADE, 1996. s.p. 13x18 cm. “ Sonia Sales “ Ex. bibl. Antonio Miranda
II
Era uma vez uma Terra velha
a poluição combinada com o assassinato
das árvores, a boca semi-aberta, sem ar
nem gemidos, restos de flores em pedras
funerárias. Pássaros empalhados emigrando
à procura da eternidade.
Nós, ressentidas criaturas, olhamo-nos
e vimos nossos olhos sem esperanças
nossos caminhos de solidão, o chão
cortado vazio de espigas e embriões
o ar transformado em detritos.
Margaridas mortas, sem sementes ou
epitáfios. E o mar onde Netuno era
rei e Iemanjá rainha, como ventre
estéril, só sal.
Em um eco de fumaça, o céu
transpassado em petróleo fosforescente,
a catedral entre cinzas emudeceu
seus sinos e anjos. Na surdina
reinavam soberanas a vaidade e a
inveja, almas diante da câmara
secreta/como reflexos de tristeza.
Mas Deus em espantosa generosidade
despertando do Infinito, no espaço
onde cessam as dores, os partos prematuros
ou a morte em transformação, sentou-nos
a Seu lado direito e nos deu a Paz.
SALES, Sonia. Mar começo do céu: poemas. Tradução para o chinês Alexandr Chung Yang. São Pau: Ysayama Editora, 1998. 61 p. Edição bilíngue português e chinês. 14x20,5 cm. “ Sonia Sales “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Atenta estou, ouvindo o som da folha caindo.
*
Sombras na paredes esquentam a noite fria.
*
Sinto a aragem do infinito.
SALES, Sonia. Da Rússia com amor. S.l: 2003. 44 p. 13,5x21 cm. Edição bilíngue russo – português. Edição da autora. Col. A.M. (EA) “ Sonia Sales “ Ex. bibl. Antonio Miranda
EU
Eu, enquanto a vida repenso
do ferro, da madeira o alento.
Eu, um palpitar constante
numa certa hora, com um certo encanto.
Um rosto esquecido, desfeito, aceito,
reconhecendo-me no camafeu
quebrado, ou na efígie da moeda
antiga, com a morte na hora marcada.
Na lembrança dos anos de louros
da fome febril do amor dourado
encaro a luta, agora desarmada.
Eu, queimando a própria carne
reconheço a aura num clarão do dia
e ainda esperança, mesmo que tardia.
SALES, Sonia. A chama breve: poemas. São Paulo: Espade, 1996. 110 p. 14x21 cm. “ Sonia Sales “ Ex. bibl. Antonio Miranda
VULCÃO ADORMECIDO
Almofadas paralelas
paralamas
carrasco de milhares.
O sol se põe como um estigma
que lima a corrente para a morte.
Branco sob a neve
com ondas de cimento cru.
Como irão ao âmago do destino
sem plumas e penas?
Sentindo o jeans apertado
amassado, entre as lavas
do vulcão adormecido.
Apodrecido sem cuidados
roxos, azuis, amarelos
tentando subir ao topo da vida
sem agonias nem saudades.
Mordendo a ira da revolta
como galhos sedentos de chuva.
VOZES NA PAISAGEM. Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos. Organizador: Waldir Ribeiro do Val. Edições Galo Brando. Rio de Janeiro, 2005. 138 p. ISBN 978-85-858627-690- 1. Inclui 55 poetas de todo o Brasil que, em sua quase totalidade, colaboram na revista Poesia para todos. Ex. bibl. Antonio Miranda
BUSCA
Busco sim, as primeiras impressões, aquelas que
podem redimir ou que vão levar-me aos caos.
Escalo montanhas e o silêncio como presságio
me acompanha em estranhas línguas, todas contaminadas.
Leio e releio ao chegar ao conteúdo. Procuro
o companheiro fiel, o mensageiro.
A verdade estreita, contida, trágica, não coincide com
o momento. Interesses se sobrepõem
aos sentimentos e às grandes causas.
O pranto amortece a tempestade, aplaca a fúria
calando as notas do piano.
Sedentos de sangue, contrastando com a
retidão dos próprios sentimentos, apenas
a natureza espelhada no horizonte perdido.
Longe, o remorso e a esperança.
A carga é recolhida em meio à noite dos
labirintos, como retalhos aspirando ao sonho.
Nada permeia a realidade.
As celas sujas,
os dejetos espalhados, misturam-se às lágrimas
dos assassinos e assassinados, corroendo ainda
mais os sentimentos do vazio, do inútil. Os elos
da corrente foram partidos...
Talvez para sempre.
COSTURO ESTRELAS
Céu cinzento
luzes de coral.
O crepúsculo é apenas um
anúncio, enxertado de relâmpagos
no vestido azul que usarei
domingo.
Costuro estrelas
brilhos e vidrilhos.
Um alfaiate
no anil sideral.
As andorinhas pousaram
no Bezerro de Ouro,
o vinho escorre da taça
em chamas, mas em segredo
inventarei a Primavera,
cantarei no coral da igreja,
no domingo o vestido azul,
costurado de estrelas.
Página publicada em janeiro de 2009, ampliada e republicada em março de 2015.
Página publicada em julho de 2020
|