RUY PROENÇA
nasceu em São Paulo, em 1957. Engenheiro de minas.
Obra poética: Pequenos Séculos, Editora Klaxon, São Paulo, 1985; A lua investirá com seus chifres, Editora Giordano, São Paulo, 1996; Como um dia come o outro, Nankin Editorial, 1999. Participa da Anthologie de la poésie brésilienne, organização de Renata Pallottini, Éditions Chandeigne, França, 1998.
“Como um dia come o outro dá seqüência à sua estratégia. Tem ainda o mérito de radicalizar-lhe a proposta e confirma, de maneira evidente, a alta dose de originalidade com que o autor se insere no panorama da poesia brasileira contemporânea. Artesão engenhoso de um inventário de estranhezas saborosamente captadas num tom próximo à intimidade, somos logo envolvidos pelo chamado de seus poemas.” Fernando Paixão
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
De
Ruy Proença
VISÃO DO TÉRREO
São Paulo: Ed. 34, 2007. 112 p. (Poesia)
ISBN 978-85-7326-389-3
Edição com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura,
Governo do Estado de São Paulo.
Ruy Proença é dos melhores das novas gerações. Os "instantâneos" que ele produz, casuais, minimalistas, impõem-se pelo humour e pela inventividade. De uma sutileza que beira a crueldade e o non-sense. Tão reais!!! Um olhar inusitado das coisas aparentemente banais, que se dão como iluminuras verbais. Atentem para o título do livro... Antonio Miranda
FRONTEIRA
Nasci de um acaso.
Como esse muro
à minha frente
alto
dividindo duas vizinhanças.
Alguém me deu à luz,
alguém me tirou a luz.
Não vejo o mundo:
miro o muro.
Dele conheço
cada detalhe.
LEMBRETE
Ontem
a morte ceifou
mais um de nós.
Agora
no cemitério
enquanto o caixão é enterrado
o morto e os amigos
são obrigados a ouvir
ao redor
roçadeiras a diesel
operando estridentes
na mão de funcionários.
Roçadeiras
são foices motorizadas.
Nunca se deve esquecer:
a morte trabalha
em várias frentes.
PANE
estourou o radiador
os ponteiros giram sem parar
a hélice pára
vaza água
por todos os lados
crio nuvens
produzo chuva
sem querer
nenhum guincho
nestas paragens
a temperatura subiu
a níveis insuportáveis
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PROENÇA, Ruy. Como um dia come o outro. São Paulo: Nankin Editorial, 1999. 69 p. (Coleção Janela do Caos: poesia brasileira) 12x18 cm ISBN 85-86372-11-0 “ Ruy Proença “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A GALINHA
a galinha tem pavor ao mar
e mal sabe dar braçadas no ar
a galinha tem garras pontiagudas
para plantar-se no chão
e desejar-se raiz
a galinha cisca o terreiro
e a cal do muro
e mal distingue a quirera do sol
que se levantou no passado
e migra para o escuro
ciosa do ovo perfeito
pois nele guarda o futuro
estende sua teia de nervos
e estaca como um pára-raios
choca como uma árvore
dia e noite
para ver maduro seu fruto
e quando um pé-de-vento
põe a poeira em remoinho
lá está ela
comandante louca
de olhos esbugalhados
ancorados no seco da tempestade
A SEREIA
Deitou-e longitudinalmente na mesa da marcenaria
e ligou a serra elétrica
a barbatana de aço
principiou a queimar-lhe a cauda
seus olhos começaram a destilar
longos novelos de corais
rangente
roia as cordas de um pára-quedas
noiva a se modelar
mutilava as estrelas da carne
muito iria lhe custar
compor a próxima ária
e nem bem tinha certeza
de que ainda seria capaz
PÍTON
Nasceu a serpente
de duas cabeças.
Os profetas
não vaticinaram o insólito
achado no Sri Lanka.
Nasceu de ovo
natural.
O fotógrafo antecipou-se aos profetas
e registrou-a de forma cabal.
A serpente
única no mundo
é perfeita:
tem quatro olhos
duas línguas
dois cérebros
um estômago.
Deus anda
cada vez mais
científico.
OS OLHOS DO PÁSSARO
enxergam
este lado
e os outros lados
do muro
de onde estão
em alto vôo
descem à terra
com anzóis
por entre telhados
pescam
no quieto roxo
das quaresmeiras
algum pedestre,
tresmalhado
da vida útil,
há de morder a isca
ADÃO E EVA
cordeiro de Deus
que tirais o pecado do mundo
zelai pelos jovens
trigais e
pelas uvas verdes
destes alqueires
para que ao vê-los
nossos desejos amadureçam
cordeiro de Deus
que tirais o pecado do mundo
cuidai para que cresçamos
raposas famintas
e aprendamos
a fabricar o próprio pão
e vinho
cordeiro de Deus
deixai-nos a sós
no Paraíso
— não órfãos —
espírito e tentáculos
de vossa imaginação
cordeiro de Deus
que tirais o pecado do mundo
partilhai conosco
apenas o gozo
e a paz dos insaciáveis
O HOMEM-CARACOL
O homem-caracol
caminha pela parede do viaduto.
Sua casa invisível
guarda parcos pertences.
Aonde vai
arrasta a amnésia entre os badulaques.
Sonhos de alguma infância
cimentaram-se-lhe nos olhos.
Sua dignidade é o osso —
sua casa.
As pombas o frio
no caminho
são sua gente.
Amor? Gesto cariado
dor
que pratica em público.
E um dos poucos homens públicos
que Deus perdoa.
Se não me engano
Já o teremos visto
rebarbativo — na parede de casa
num fim de tarde.
O HOMEM-CARACOL
O homem-caracol
caminha pela parede do viaduto.
Sua casa invisível
guarda parcos pertences.
Aonde vai
arrasta a amnésia entre os badulaques.
Sonhos de alguma infância
cimentaram-se-lhe nos olhos.
Sua dignidade é o osso
sua casa.
As pombas o frio
no caminho
São sua gente.
Amor? Gesto cariado
dor
que pratica em público.
É um dos poucos homens públicos
que Deus perdoa.
Se não me engano
já o teremos visto
rebarbativo na parede de casa
num fim de tarde.
VARANDA
a poesia envenenou-me
já não há mais tempo
a lua investirá com seus chifres
e as cebolas no escuro despertarão
o olho do coração
da cadeira
de balanço
a Paciência contempla a penugem doura-
da das horas
enquanto um gato dorme
sobre sua cabeça
uma tempestade de diamantes
arremessará suas flechas
sobre o Estreito de Magalhães
exatamente assim
passará um milênio
LUGARES
há lugares na alma
tão escuros
que até os cegos
podem contar as estrelas
cadentes
contar as estrelas
e fazer muitos desejos
tantos quantos cabem na alma
de um cego
há praias na alma
tão escuras
que até os videntes
pensam que é céu
cada grão de mica encerra
uma estrela que caiu
de modo que o mundo
da alma
parece não ter pé nem cabeça
PROENÇA, Ruy. A Lua investirá com seus chifres como um dia come e outro. São Paulo: Editora Giordano, 1996. 61 p. 12x18 cm. ISBN 85-86084-01-4 “ Ruy Proença “ Ex. bibl. Antonio Miranda
ORLA MARÍTIMA
Venta.
Venta demasiado.
Vergam-se as palmeiras e o pensar.
(Aonde arrasta-me a cabeleira em torvelinho?)
Venta um maciço em pregas de cortina.
Venta urna alma inconformada de oceano.
Venta um crepúsculo polar.
Venta urna solidão sem limites.
As estrelas agarram-se ao firmamento.
Venta.
Desesperadamente.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
RUY PROENÇA
Ruy Proença nació en 1957 en São Paulo. Es ingeniero de minas. Publicó Pequenos Séculos (1985), A lua investirá com seus chifres (1996) y como um dia come o outro (1999). Participó en diversos livros colectivos e integra desde 1990 el grupo Cálamo.
Textos extraídos de la revista TESÉ=TSÉ n. 7/8 otoño 2000, Buenos Aires, Argentina.
[Traducciones de R. J., revisadas por R.P.]
EL HOMBRE-CARACOL
El hombre-caracol
camina por la pared del viaducto.
Su casa invisible
guarda parcas pertenecias.
Por donde va
arrastra la amnésia entre las baratijas.
Sueños de alguna infância
se le cementaron en los ojos.
Su dignidad es el hueso
su casa.
Las palomas el frio
en el camino
sons u gente.
¿Amor? Gesto cariado
dolor
que practica en público.
Es uno de los poços hombres públicos
que Dios perdona.
Si no me engaño
y alo tendremos visto
repugnate en la pared de casa
en un fin de tarde.
BALCÓN
la poesía me enveneno
ya no hay más tiempo
la luna embestirá con sus cuernos
y las cebollas en lo oscuro despertarán
el ojo del corazón
desde la butaca
del columpio
la Paciencia contempla la pelusa Dora-
da de las horas
mientras un gato duerme
sobre su cabeza
una tempestad de diamantes
arrojará sus flechas
sobre el Estrecho de Magallanes
exatamente así
pasará un milênio
LUGARES
hay lugares en el alma
tan oscuros
que hasta los ciegos
pueden contar las estrellas
cadentes
contar las estrellas
y pedir muchos deseos
tantos como caben en el alma
de un ciego
hay playas en el alma
tan oscuras
que hasta los videntes
piensan que es cielo
cada grano de mica encierra
una estrella que cayó
de modo que el mundo
del alma
parece no tener pies ni cabeza
Página publicada em novembro de 2007; ampliada e republicada em abril 2010
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