Fonte: http://antologiadoesquecimento.blogspot.com
RUBENS RODRIGUES TORRES FILHO
(Botucatú, São Paulo, 1942- )
possui graduação pela Universidade de São Paulo (1964) , mestrado pela Universidade de São Paulo (1967) e doutorado pela Universidade de São Paulo (1972) . Atualmente é PROFESSOR ASSISTENTE DOUTOR da Universidade de São Paulo. Sitio do autor: http://www.art-bonobo.com/rrtf/
TORRES FILHO, Rubens Filho. O vôo circunflexo. Capa e ilustrações de Marcia Rothstein. São Paulo, SFP: Massao Ohno; Roswitha Kempf Editores, 1981. S.p. 18x27 cm. ilus. “ Rubens Rodrigues Torres Filho “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Circunflexo
O vôo circunflexo de uma ave,
ponte de exclamação e convergência
de um olhar mais que nítido: vazado.l
(— E, transpassada por um vento externo e interno,
a praça, com janelas para a praça.)
Deixamos de esperar que alguma dança
perdoe nosso espaço alucinado
0 desenho dos gestos se extravia,
a dor se agrava, grava em nos seu mapa.
Pouco faltou para que nosso invento
tivesse sopro, fosse além do traço:
navegação, mais rápida que a barca,
ia tecendo sua própria água.
As linhas, uma a uma, caem mortas
diante desta manhã, trava, aguçada
pelas doces palavras
desarmadas.
Desenvolturas
Nós nos queremos bem: ah que derrama,
que hemorragia de sentimentos!
Irmãos! Que almas transparentes temos!
0 chão nos foge sob os pés, tão leve.
Podemos nos olhar pelos avessos
que é tudo luz. 0 bem que nos queremos
nos santifica até aos intestinos.
Que vísceras de vidro! Que evidência!
Meu pênis se eletriza - é um travessão! Um hífen!
Um traço-de-união entre duas almas
tão juntas, tão aninhadinhas
uma na outra que da gosto e enlevos.
Nos sabemos de cor, rosto e relevos.
Tudo nos dança: umas fosforescências
embevecidas lambem nossos beiços
e um simples esplendor nos satisfaz!
O vôo circunflexo, 1981
Cantigas de amor e roda (1)
Batatinha quando nasce
derrama um verde no chão.
Meu amor, se esta dormindo,
é um navio, na dimensão
onde tudo é pouco a pouco
e a lua vem aprender
a sua calma enrolada
naquele duplo viver.
Pego meu violão sem corda
que é para não a acordar
dessa espécie de enseada
que é o sono, nesse vagar,
e passo a cantar sem nada
pedir nem nada dizer,
sendo que pousa uma rosa
em tudo que não disser,
para ajudar que ela tenha
um sono de mansa lã
que seja a mais amorosa
preparação de manhã.
Meu amor fuma luís-quinze
Meu amor furna luís-quinze
(ou então: "usa kolynos"),
tem um olhar tão difícil
que às vezes os violinos
que acompanham seu andar
pela avenida ipiranga
conseguem dar menos sol
do que o gosto da pitanga
que é o suco de seu lábio,
beijável, sem desespero.
Mas o seu batom sutil
no deixa marca nem cheiro.
Assim, meu amor me mata.
O leve tergal que veste
é menos leve que ela:
pobre anel que tu me deste.
A letra descalça, 1985
Cá, entre nos
Você me olhou. Só que isso,
você já sabe, me deixa gago
ernbaraçado.
Feito a meada de que perco o fio.
Quanto mais encontrar agora a frase certa
e alerta
para tocar-te, sem perder o humor. Como acertar
o gesto, o dito que entre nos estabeleça
aquela transparência de corações
que seria algo tão bom, tão oportuno
neste momento, para algum
dos dois?
Poros, 1989
Extraído de ANTOLOGIA POÉTICA DA GERAÇÃO 60. Álvaro Alves de Faria; Carlos Felipe Moisés, organizadores. São Paulo: Nankin Editorial; Instituto Moreira Salles, 2000. ISBAN85-86372-20-X
TORRES Fo., Rubens Rodrigues. Poros. São Paulo: Claro Enigma, 1989. 61 p (Coleção Clario Enigma) 14x20,5 cm. Projeto da capa e ilustração: Moema Cavalcanti. Livraria Duas Cidade (editora) Tiragem: 1500 exs., 25 impressos em papel Suzano Classic com a rubrica FC (fora de comércio) numerados e assinados pelo autor.
SEM JEITO
O poema, essa cicatriz
da velha ferida dos gêneros,
entre prosaica e feliz
— indigna, pelo menos —
oscila, pela via-não,
entre a corrosão e o êxtase,
jeito de pedir perdão
sem deixar endereço,
forma besta de glamour
sem ornato ou adereço,
e a cada respectiva musa
agradeço
por tudo o que lembro e o que esqueço.
SEJA LEVE
Isso de ler e escrever
é por amor ao estudo.
Marx e a vida são breves!
Pode-se querer tudo
desde que seja leve.
TORRES FILHO, Rubens Filho. Investigação do olhar. Ilustrações de Dorothy Bastos.
São Paulo: Massao Ohno, 1963. s.p.. 15X21,5 cm. Ex. biibl. Antonio Miranda
VISITAÇÃO
A fera dilata seu fôlego sobre a cidade,
agindo com astúcia e fome.
Nada a detém em seus passos rigorosos
com que ela subordina amor à sede
e cria mecanismos desvairados
para entender a morte.
Todos a desconhecem, mas seu desejo
é sentido na pele dos ombros
e na compressão invencível das cabeças
A fera visita a cidade, com sua fome.
PAISAGEM
Desejando a fúria do sol
e escavando a ruína das areias
animais ambivalentes pesquisam a consciência
e se atiram em longos voos dolorosos
tentando gritar.
DISSOLUÇÃO
A noite desce sobre os rios,
que são leite fluindo,
gestos imaginários de entrega.
A noite desce sobre os- corpos,
receptáculos doces da angústia,
e a guerra correndo nas veias.
A noite desce sobre a culpa,
os gritos de revolta, os peixes.
Página publicada em setembro de 2009; ampliada em julho de 2015.
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