RUBENS JARDIM
Poeta da geração 60 de São Paulo, Rubens Jardim integrou o núcleo central da Catequese Poética, movimento iniciado em 1964 por Lindolf Bell, a fim de arrancar o poeta da torre de marfim e lançá-lo na conquista de todos os espaços possíveis – para o poema e para o poeta. A Catequese Poética foi ao Sermão do Viaduto (1964) e ao I Comício Poético da Praça da Sé (1965); realizou o primeiro recital de poemas em estádio de esportes no Brasil (PUC/ RJ) e de 1966 a 68 visitou as capitais e centenas de cidades do interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, fazendo apresentações em teatros, galerias, boates, escolas e universidades.
Rubens Jardim, que organizou e promoveu o Ano Jorge de Lima (1973), carrega na bagagem toda essa trajetória poética e a participação em uma dezena de antologias e sites de poesia na Internet, além dos livros publicados Ultimatum (1966, SP) e Espelho Riscado (1978, SP), ambos esgotados; o conto poético em homenagem ao centenário de Guimarães Rosa, Carta ao Homem do Sertão (2008, SP), e Cantares da Paixão (2008, SP). Tem também seu próprio site www.rubensjardim.com.
Em setembro de 2008, Jardim participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (I BIP), com a exposição de oito banners poéticos na Biblioteca Nacional de Brasília e com o mural Herrar é Umano, na Expo de Poesia Visual OBRANOME 2, realizada no Museu Nacional do Conjunto Cultural da República. Além disso, atuou em poemações ocorridos na Barca Brasília pelo Lago Paranoá, no Café Balaio e no Bistrô Rayuela, no Plano Piloto. Lançou ainda Carta ao Homem do Sertão na Mini-Feira do Livro de Poesia, durante a abertura do evento, na BNB. (Ao lado, Jardim e Antonio Miranda, no coquetel de abertura da I BIP, na Biblioteca Nacional de Brasília.)
Affonso Romano de Sant’Anna diz que “Rubens Jardim pode tanto produzir um poema com o mínimo de palavras ou letras, como um magnífico soneto. Pode compor um poema voltado para problemas sociais ou para a repressão política, ou pode dedicar-se à sua infância e a temas subjetivamente familiares. E tudo com a desenvoltura de quem sabe o que está fazendo.
Claudio Willer classificaRubens Jardim“desde já, entre os mais confessionais dos poetas contemporâneos brasileiros; pelos mesmos motivos, entre os mais honestos”.
JARDIM, Rubens. Cantares da Paixão. São Paulo: Maneuela Editorial, 2008. 159 p. ilus. (Artepaubrasil) 14x21 cm.
O INVISÍVEL POEMA
Aqui se cruzam os caminhos
de épocas remotas e atuais.
Neste espaço finco os beirais
desta casa onírica. Meu ninho
é esta escrita e pergaminho.
São as fantasmagorias banais,
os sons obsessivos das vogais
e as libações efêmeras do vinho.
Não falo em casas de burburinho,
nem de monumentos e catedrais.
Registro apenas nesta escrivaninha
o invisível poema em redemoinho
capturando o lido e o olvido, e os ais
escutados na partição dos caminhos.
PIETÁ I
Não é a pedra nordestina
origem da fala cabralina
Não é a pedra drummoniana
singular construção viperina
Aqui a pedra é outra
E ela incendeia minha escrita
clandestina.
TODA MULHER É MIRAGEM
Toda mulher é uma viagem
ao desconhecido. Igual poesia
avessa ao verso e à trucagem,
mulher é iniciação do dia,
promessa, surpresa, miragem.
De nada adiantam mapas, guias,
cenas ensaiadas ou pilhagens.
Controverso ser, mulher é via
de mão única, abismo, moagem.
É também risco máximo, magia,
Caminho íngreme na paisagem
Simplificando: mulher é linguagem
Palavra nova, imagem que anistia
o ser, o vir-a-ser e outras bobagens.
LIBELO
Abaixo do teu umbigo
existe uma caverna
de rochas ígneas,
magmáticas.
Dizem que elas são
formadas de feldspato,
quartzo, anfibolitos, mica
e minerais preciosos.
Mas abaixo do teu umbigo
eu não encontro nada disso:
eu vivo a nascente e a foz
simultâneas.
*
Nem bem inicias o teu reinado
e já reinicias o teu rei
Aura
ré que invento
reinventando aqui
d o r s o l e t r a d a
(em dicção móvel) diz
e fazes o que não foramos
nas tardes. Aura e luz:
lustre apagado
na eqüidistância dos sopros.
Aura e hora: hora de orar o galo
no ferimento das manhãs.
*
O que há de duradouro em nós
é a sombra desse enigma
Que não se funde em cinzas
nem se confunde ao fogo
Antes aclara o assombro
de estarmos guardando
entre nós
o exílio de nós mesmos
De Carta ao Homem do Sertão
(trechos)
Não é por falar,
mas já tive que parar de ler
muita frase tua por motivo
da emoção sempre nascente
-- e movente,
turvando o foco
e abastecendo os olhos
de beleza e lágrima.
*
Saiba o senhor
que na vertigem do redemoinho
e no mover da mente,
não consegui separar o encoberto
e o aparente, o domínio de Deus
e do Diabo, o sancionado
e o proibido. Nem encontrei
o rumozinho certo das coisas.
Enfiei uma ou outra idéia,
mas não fisguei a essência.
A vida também é muito isso:
chamamento e repulsão.
De Espelho Riscado
1
O que há em mim
é a lenta preparação
do que há em ti
sombra segada
sangrada
e sagrada até nos olhos
dos meninos que nasceram
sem olhos
vidência única
(vide o verso)
Visão múltipla
(vede o anverso)
e tudo que está
do outro lado
do espelho.
2
Não se aprende um rosto
contemplando quadros.
O rosto sempre excede
a expressão: quadro.
Mesmo quando cede
sua sede de água
sua sede de rio
O rosto incide
à impressão: quadro.
Já não falamos moldura
ou outro ornamento
ou outro acessório.
Mas a própria tela
Em transbordamento:
aquário seco.
Poemas inéditos
A HORA IMÓVEL
Tenho dúvidas se estou por dentro
ou por fora
mesmo na hora do amor.
Pareço letra perdida à procura
da palavra.
Mas as palavras também se perderam
dos usos cotidianos
e da realidade .
Elas escaparam do papel
e criaram seus próprios espaços
cênicos.
Fala-se que as palavras se libertaram
e que elas hoje freqüentam
outros ambientes.
Estão em objetos e performances,
Em leis que não são aplicadas.
E eu fico aqui me perguntando
onde está a palavra antes da palavra?
Aquela que nos devolve sem cessar
a consciência da total ambivalência?
Aquela que rompe com os marcos
da duração e estabelece a hora imóvel
que os relógios não marcam?
CLAMOR
quero penetrar no silêncio
que ronda as coisas
para saber se você me escuta
sei que não adianta bater no tambor
você viajou doze horas de avião
e está a mais de 9 mil quilômetros do meu corpo
existe um mar imenso
separando nossas vidas e nossas almas.
acho que não adianta bater no tambor
tenho que me contentar
com esse cinzeiro ou com esse vaso
sem nenhuma flor
mas você me escuta?
KOAN
Homem de uma perna só
Mulher de uma só palavra
Poema com uma só frase
Quem é que bate palma
com uma só mão?
HEIDELBERG
Flutuando
entre o menosprezo
e o desvelo,
esta cidade ressoará.
E não será em seu Castelo,
nem em sua ponte medieval.
Sítio abençoado
Heidelberg ressurge
íntegra
inteira
no derradeiro encontro
do Verbo com a palavra.
Página elaborada por Angélica Torres Lima em 9 de fevereiro de 2009. Fotos de Rubênio Marcelo e Cláudio Araújo.
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