REYNALDO BAIRÃO
BAIRÃO, Reynaldo. O Primeiro dia. (Poemas em prosa). São Paulo: Orfeu, 1950. 61 p. Capa: d p (Darcy Penteado ?) 16.5x23 cm. Impresso nas oficina da “Revista dos Tribunais”. Col. A.M.
“Oscila entre dois polos, numa pesquisa ansiosa de ritmo e expressão. H´s muito a aprofundar e descobrir em seu livro que é uma provocação à crítica da poesia.” CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
9
Marquei meus passos na areia mole. E senti
todas as resoluções que os homens não conheceram
em nós.
Nós íamos vencendo o tempo em nós marcado.
E o estigma que, em nós, trazíamos, era de um
roxo fogo rechaçado.
Marquei meus rotos passos na areia úmida,
ondas revoando em meu coração.
Mas, só eu conheci em nós o que havia em nós de cansaço ...
15
Sou múltiplo na unidade. Morro de não poder
morrer ante meu corpo tomado de leveza.
Repousarei deitado na tarde que expira em
meus desusados lábios:
Não verei o que virá afagar as minhas mãos
cautelosas e frias, à espera do sonho que virá
depois ...
20
Sinto medo, dentro da casa, que desmoronará
em mim.
Suas paredes contêm o mistério das coisas
sem explicação.
Me afasto da escada, altura vertiginosa para
o meu desejo.
Aquela porta, fechada à chave, é a única
solução.
BAIRÃO, Reynaldo. Elegia a um poeta morto. Capa e ilustração de Darcy Penteado. São Paulo: 1949. Composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunais”. 41 p. ilus. 16x24 cm. “ Reynaldo Bairão“ Ex. bibl. Antonio Miranda
IV
Saudades que sinto
da praia fendida
nas rochas em sol
espera impulsiva
Lembranças passadas
em mar de sargaços
são ondas sangradas
por um frio vento
Oh vida não vida
cansaço eternal
não volto não fico
sou morte irreal
V
Respiro e conheço
meu pobre abandono
caminho sem meta
já não tenho dono
Não causo mais dano
aos homens viris
desprezo meu pano
recanto meus mortos
Os homens não andam
e o sol já morreu
sozinho revolto
o Deus que foi meu
Respiro e conheço
meu santo abandono
e vivo cansado
perdendo meu sono
VIII
Há sol na janela
bondade nas ruas
clareza nos homens
solidão nos trens
Menino que passa
fumaça que sobe
igrejas que surgem
escolas que acabam
Infância perdida
a casa que chora
a mãe que deseja
a volta irrestrita
X
Canta, ó morto sem cova!
há luz em teus olhos de terra,
há som em teu silêncio de dor,
há espaço em teu corpo inerte!
Canta, ó morto em desespero!
há vida em teu sorriso amargo,
há precipício em tua posse rediviva.
há suavidade em teus lábios lacrados!
Chora, ó morto em pé no quadrado!
hoje não vês o horizonte precipite,
hoje não sentes as cousas da vida.
hoje tu choras o irremediável
cansaço!. . .
XIX
A casa está abandonada.
Ninguém habita o corpo de quem morreu.
Há a esperança de rever quem chora a vida sem
[viver.
Teu retraio pende da parede que ninguém cobrirá.
Teu corpo, hoje adubo, seguirá vivendo em outras
[vidas.
Tua carne, solitude, se entregará à chuva.
Teus braços adormecerão a terra que vomitas
[petrificado.
Tua boca desfolhada se abrirá, ainda, uma última
[vez.
A casa está agora abandonada às trevas.
Não há um só barulho que seja o teu.
Suavemente, há a esperança de ressentir quem
[chora a vida.
Vaga sombra encontra o corpo de quem
[emudeceu...
Página publicada em fev 2013
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