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R. P. CASTELO BRANCO

 

 

CASTELO BRANCO, R. P.  Os Sertões: poema baseado na obra de mesmo título, de Euclides da Cunha.   São Paulo, SP: Livrria Martins, 1943.  63 p.   12,5x19 cm.  

 

(A seguir, um dos poemas do livro, com a ortografia atualizada)

 

 

O PRELÚDIO DA DESGRAÇA

 

Ao advir, porém, dos primeiros sintomas,
o sertanejo estóico adivinha o flagelo.
Volve o olhar inquieto para a altura,
consulta os elementos,
atenta longamente nos quadrantes,
prevendo aproximarem-se os tormentos.
Os traços mais longínquos das paisagens,
o seu olhar inquiridor perscruta.
Entretanto não foge:
prepara-se sereno para a luta.

Como sinais de uma moléstia cíclica,
os sintomas da seca se sucedem.
O nível das cacimbas desce lentamente.
As "chuvas do-caju", sem deixar traços,
passam em chuvisqueiros, brevemente.
Tufos pardos recobrem a flora mosqueada,
à semelhança de grandes cinzeiros
de combustão sem chamas, abafada.

 

A atmosfera, cova avidez de esponja,
absorve o suor na fronte do campeiro.
E a armadura de couro empoeirada,
se lhe endurece ressequida, aos ombros,
qual couraça de bronze, rígida, esturrada.

Acentuam-se os dias causticantes.
E ao descer de uma tarde, em bandos, pelos ares,
transvoam as primeiras aves emigrantes.

É o prelúdio da desgraça!

 

O SERTANEJO

 

Mas nesta intercadência dolorosa

de quadras de ventura e de tristeza,

formou-se o sertanejo de contrastes,

— perfeita tradução moral da natureza.

 

Despertou para a vida envolvido em tragédias

O espantalho das secas, no sertão,

veio lhe interromper os folguedos da infância

com longos dias de devastação.

 

Aprestou-se, bem cedo, para a luta.

Viver é adaptar-se.

E a natureza fê-lo à sua imagem:

-bárbara, impetuosa, abrupta...

 

Em sua aprendizagem de revezes

afez-se a reagir de chofre, prontamente.

E espanta a rapidez com que varia

das explosões d'e força e agilidade

aos longos intervalos de apatia.

 

É inconstante e instável como a terra

que passa ,em mutações desconcertantes,

da maior opulência às penúrias extremas

dos estios infindos, abrasantes.

 

Com aparências que se contrabatem,

é um batalhador que ostenta o porte

perenemente combalido e exausto...

perenemente audacioso e forte!

 

Falta-lhe o desempeno, a plástica impecável

das organizações atléticas, robustas.

A postura abatida e displicente

empresta-lhe um caráter lastimável,

humilde e deprimente.

 

Tem o aspecto dos fracassados

e um andar sem firmeza que aparenta

a translação de membros desarticulados.

 

Desengonçado e torto,

no seu bambolear desgracioso,

reflete a fealdade típica dos fracos,

sem aprumo, gingante, sinuoso.

 

Uma atonia muscular perene,

revela em tudo, permanentemente:

na palavra arrastada,

no gesto contrafeito,

nas modinhas de ritmo dolente.

 

No entanto,

esta aparência de cansaço ilude.

Nada é mais empolgante do que ver-se,

transmudado em segundos,

o despertar do sertanejo rude.

Basta o aparecer de qualquer incidente

exigindo-lhe o desencadear

da energia latente.

O homem se transfigura.

Impertiga-se todo estadeando

novas linhas no gesto e na estatura.

Sobre o corpo possante

firma-se-lhe a cabeça altivamente,

o olhar desassombrado e vigilante.

 

E do tipo vulgar do tabaréu canhestro,

reponta inesperadamente

a figura soberba de um titã,

acobreado e potente!

 

 

Página publicada em setembro de 2014


 

 

 
 
 
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