Fonte: http://pavloferraz.sites.uol.com.br/
PAULO FERRAZ
Paulo Ferraz (Rondonópolis, 1974) é um poeta brasileiro. Viveu em Cuiabá até 1995, quando se transferiu para São Paulo, onde se graduou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sendo um dos editores das revistas O Onze de Agosto e FNX. Concluiu mestrado em Teoria Literária na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Em 1999 publicou seu primeiro livro de poemas, 'Constatação do óbvio, pelo Selo Sebastião Grifo, fundado por ele, Matias Mariani e Pedro Abramovay. Com ambos editou ainda a revista Sebastião (o primeiro número em 2001 e o segundo em 2002), com a qual colaboraram Armando Freitas Filho, Paulo Henriques Britto, Nelson Ascher, Régis Bonvicino, Frederico Barbosa, Donizete Galvão, Fabio Weintraub, entre outros. Em 2007, lançou dois novos livros De novo nada (poema de quase 600 versos) e Evidências pedestres, também pelo Selo Sebastião Grifo.
Tem poemas publicados em diversas revistas literárias, tais como CULT, Magma, Sibila, Cacto, Jandira e Rattapallax, nas antologias Paixão por São Paulo e Antologia Comentada da Poesia Brasileira no Século 21 e nos sites Germina Literatura, Poesia.net e Paralelos. Fonte: wikipedia.
FÁBULA
Farinha e água condicionam
a insignificância sobre a
língua, porque é o corpo que no
corpo reafirma o desejo
de sobreviver à morte
da matéria. Na hóstia habita o
cristo por alguns minutos,
da boca úmida não desce
para o estômago, caminho
natural do que nos entra,
não se sabe como, sobe
para um canto da cabeça.
Fora do adro o mundo cresce
nos olhos e não demora
começa a ocupar o espaço
da idéia de redenção. Cristo
tenta continuar presente,
mas é um tanto tarde, o corpo
não é só cabeça, restando ao
cordeiro, por estratégia,
se pregar na cruz mais próxima.
A PARTIR DA TOPOGRAFIA
Aprende-se muito
com a ausência. Cito a arte
da cartografia, do
paciente desenho
feito olhos a dentro
sem régua ou compasso,
com o qual catalogo, a
posteriori, pintas,
sinais de nascença, e as
(não sem ser expert no
teodolito) marcas
de uma catapora.
A POÉTICA VISTA NUM ARMÁRIO
Suspenso por esses
ombros finos – qual fumaça
condensada em pano
não pela ação de intempéries,
mas pelo domínio
das mãos sobre o bruto – quanto
guarda de um conteúdo
já tido? Seu corte fôrma
não é para o aparente ]
vazio. Se me entrego às curvas
e drapeados, deixo
me envolver na trama e ali me
posto. Logo noto o
dom que o fez, paciente e certo,
por metros em que eu, que
nada sei de seus motivos,
constato em qual corpo
cairia – de pronto me espanto,
pois se forma dentro
de mim – mesmo sendo roupa – a
sensação do toque.
DE UMA CRÍTICA PUBLICADA NUM SUPLEMENTO CULTURAL DE DOMINGO
(fragmento)
II (o artista: depoimento)
Estudei dos 20 aos 30
na Europa, tempo de intenso a
prendizado, mas só conto os
dois anos depois da volta, es-
senciais para a concreção do
meu estilo, pois passei longos
meses nas ruas favelas,
freqüentei cortiço, abrigo e
bueiro, conheço essa gente
pelos nomes, inclusive
seus cachorros, cheguei mesmo a
me sentir igual eles.
POESIA SEMPRE. Número 29. Ano 15. No. 29. 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. ISSN 0104-0626 - Editor: Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626. Ex. bibl. Antonio Miranda
Alba
Não a resistência
do vento, mas sim a
densidade da água
que envolve, que agarra o
corpo, inoculando o
veneno da espera a-
té transformar pele em
pensamento, menos,
em vozes ouvidas,
outras jamais ditas;
o que se vê tem do
sonhos quase nada, a-
penas o desejo
de tê-la outra vez à
distância dos dedos,
ela estaria próxi-
ma, não fosse a grita
do mundo e do corpo,
não fosse esse oriente,
não fosse essa músi-
ca que vem das árvo-
res, não fosse ouvir do
colchão, do lençol, do
travesseiro: volta ao
real, ao invés do leito
te reclama a lida.
Sobre a sombra
É como digo, das coisas
a sombra guarda bem mais que a
memória, pois, cria da reali-
dade, traz os genes que lhe
dão a forma da matriz (ao
pai não puxou quase nadal,
se nem que ele lhe confere o
talhe, interferindo sempre
no seu desenvolvimento),
dizem que é prima distante
da água, embora de cores
distintas, isso porque ambas
se ajustam às superfícies,
correm líquidas por outros
corpos, todavia, enquanto a
clara opta quedar-se em planos,
lançar-se em quedas, a escura
tem o orgulho de ficar de
pé (antes que o poema termine,
peço que deite teus olhos
sobre a minha sombra que te
cobre e te envolve, tatuagem
móvel que gravo em ti, anteci-
pando o tato, o toque — nuca
desligue teu abajur).
Página ampliada em julho de 2018.
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