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PAULO COLINA
poeta, escritor, teatrólogo, tradutor e militante
Nasceu a 9 de março de 1950, em Colina (SP). Publicou Fogo Cruzado (Contos), Edições Populares (SP), 1980; Plano de Voo (Poesia), Roswitha Kempf /Editores, São Paulo, 1984. Traduziu, com Masuo Yamaki, Tankas, de Takuboku Ishikawa, Roswitha Kempf/Editores, São Paulo, 1985 (1ª. Edição), 1986 (2ª. Edição). Participou das coletâneas Cadernos Negros 2 (Contos) e 3 (Poesia), Edição dos Autores, São Paulo, 1979 e 1980. Organizou e participou de Axé — Antologia Contemporânea da Poesia Negra Brasileira, Global Editora, São Paulo, 1982. Prêmio APCA — Associação Paulista de Críticos de Artes — de literatura: Melhor Livro de Poesia do Ano. Em teatro, tem inédito Entre Dentes (Drama para negros em um ato). Foi diretor da União Brasileira de Escritores.
FORJA
entre uma calmaria
e outra
do mar de nossas peles
me bastaria amor cantar o fogo
que somos na nascente
de suas coxas
mas há essa dor de outros tempos
e corpos
essa rosa dos ventos sem norte
na memória sitiada da noite
embora o gesto possa ser
no mais todo ternura
o poema continua um quilombo
no coração
PLENITUDE
embora só
vagueio tranquilo
senhor de todas as tormentas
enquanto saboreio teu batom
CORPO A CORPO
a vida é uma horda bárbara
de sentimentos
as noites tentam desde o princípio
de tudo
a derrubada de estigmas primários
o cotidiano tem sempre à mão
um repertório de sambas e blues
o papel branco vive me jogando
desafios na cara
ser marginal todavia
só interessa à paixão
bastaria ao poema apenas
a cor da minha pele?
FRONTEIRAS
sei das fronteiras
que a mim traçaram
desconheço contudo qualquer porta
que a noite não pede licença
que a pele é surda
e grita
sei da solidão que pudessem
os fracos
sempre a mim legariam
e paciente tocaio afetos
no momento desatento
ignorar porém quisera
que um beijo igualmente dilacera
que um beijo igualmente dói
****
(De: Plano de voo, 1984):
IMAGENS
Agora, eu
não deveria estar aqui
plantando ante a agonia
de meu saber sombra e carne
tentando
mágico frustrado
retirar dum corpo meu ser inteiro.
Eu
não deveria tentar
aqui, agora,
montar o interminável
quebra-cabeças
que sou.
Lágrimas sempre atrapalham.
PEQUENA BALADA INSURGENTE
Não há temores:
há o temor,
o medo puro e simples de que no amanhã
(o tal sem rédeas, sem fuso horário)
essas palavras incendiadas
em meio à madrugada,
essas palavras amordaçadas
a força de covardes ameaças postadas,
de placas impunes que cantam pneus
em meio à madrugada,
essas palavras amordaçadas
a força de covardes ameaças postadas,
de placas impunes que cantam pneus
em meio dia
(cheio de compromissos, como sempre)
ou a tarde
(tão cansada!)
invadem, anômalas,
comandadas por um súcia de merda,
nossas janelas
ou lacrem nossas portas
ao raia da incerteza.
Não há rancor nem ódio:
há esse clamor surdo
que rebenta em meu coração,
face a tantas bocas subterrâneas,
face a tanto cuidar de telenovelas,
samba e futebol.
Até quando nossos filhos poderão
continuar a soltar pipas,
a rolar juntos,
todos juntos,
na terra, cimento
na grama, na lama,
brincando de serem irmãos?
Não há rancor nem ódio:
há apenas esse clamor surdo
que rebenta em meu coração
ante nossas mãos inúteis
que sustentam essa alegoria
crua
de senzala favela e sarjeta.
Há meia-lua, meia-dose,
meia-hora, meio-fio,
não meia foda.
A se decidir.
Há que se decidir, senhores,
pois mesmo entre as noturnas sombras
desse imenso véu,
as asas negras de meu nariz
continuarão insistindo em ganhar
o espaço aberto dos céus.
Página publicada em setembro de 2014
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