PAULO BROMBAL
De
TESSITURA
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1988
Existe um descompasso
Antigo entre o que penso,
O mais das vezes tenso,
E o sentir lasso.
Sei que habita esse espaço
O imigo que não venço.
Tenho os sentidos densos
E o senso baço.
Eu ser é ato imperfeito.
Eu erro se extravaso
O que atravessa
Num átimo meu peito,
E sempre quando pauso
Há que ter pressa.
Por entre as mãos o esboço se dispersa:
Por que ordenar palavras, se não tenho
Certeza firme do que escrevo e venho
Sempre deixando a carta que começo?
Rasgo o último rascunho, a ver se esqueço
Este projeto. Apanho o teu desenho
(Recordo, fiel à idéia de teu cenho)
E nestes traços não te reconheço.
Não era este teu rosto, eu me lamento,
E não guardei recordação alguma
De ti: foto, cartão... Só o pensamento
E este desenho mesmo que te nega.
Esqueço a carta: escreveria à bruma,
E tua lembrança em erro se despega.
Queria saber como é por dentro o ser
De que és a imagem. Ver que gesto dorme
Em teu corpo. Que idéia (e não tem nome)
Irrompe subitânea em ti e vai ter
A tuas retinas num lampejo, e some.
Saber o que em teus lábios quer dizer
O teu silêncio esparso a que sequer
Atentas. Que desejo faz que assome
Teu gozo represado. O que consentes,
A tua ferida, o que não tens senão
Como sombra entrevista (ou não pressentes?)
Saber, especialmente, o que mal sabes
De ti. Trazer tangivelmente às mãos
Do entendimento a vida em que te cabes.
Página publicada em setembro de 2008.
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