PAGÚ
( 1910 – 1962 )
Patrícia Rehder Galvão, conhecida pelo pseudônimo de Pagu, (São João da Boa Vista, 9 de junho de 1910 — Santos, 12 de dezembro de 19622) foi uma escritora, poeta, diretora de teatro, tradutora, desenhista e jornalista brasileira. Teve grande destaque no movimento modernista iniciado em 1922, embora não tivesse participado da Semana de Arte Moderna, tendo na época apenas doze anos de idade. Militante comunista, foi a primeira mulher presa no Brasil por motivações políticas. Fonte (abreviada) wikipedia
“musa-martir do modernismo”
DÉCIO PIGNATARI
Veja também: CONTRIBUIÇÃO AO JULGAMENTO DO CONGRESSO DE POESIA, por PAGÚ – PATRÍCIA GALVÃO – sobre o Movimento modernista de 1922 e a Geração 45
PAGÚ – vida e obra. Organização, seleção de textos, notas e roteiro biográfico de Augusto de Campos. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. 470 p. ilus. 16X22,5 cm. ISBN 978-85-359-2485-5 Textos de Patrícia Galvão ( PAGÚA ) recolhido de publicações da época por Augusto de Campos.
Este livro busca uma síntese da vida-obra de Patrícia, não de forma narrativa, sob espécie de biografia tradicional, mas sob a égide do fragmento e da intertextualidade. Minha maior preocupação foi, por um lado, remitificar Pagu, e por outro, desmistificá-la. Enfatizar não a face superficial de sua atratividade, mas a densidade maior de sua aventura intelectual. Mais uma razão para renunciar à excessiva glamorização da personagem e dar preferência à sua atividade literária e intelectual, aos (seus poemas, crónicas e críticas, à sua postura inabalável em prol da literatura de ponta, ao ímpeto rebelionario de suas posições políticas, mesmo quando exacerbadas.
ÁLBUM DE PAGU
1929
NATUREZA MORTA/1 SOLANGE SOHL
(Solange Sohl é uma estreante. A publicação do presente poema é feita a título de animação, pois há que considerar, na sua realização lírica embebida de um dramatismo intenso, um compromisso para o futuro.)
Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados.
Como os meus dedos, na mesma frase.
As letras que eu poderia escrever
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
Os ventres estourando
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!
Procurei acender de novo o cigarro.
Porque o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
|Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Si eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém...
Nem a presença dos corvos.
SUARÃO, PRAIA GRANDE
1 Diário de São Paulo, 11; de agosto de 1948. A nota que antecede o poema é de autoria dos editores do jornal.
PAGÚ ( Patrícia Galvão) – desenho de Portinari, 1950
POEMAS 1960-1962
CANAL
Nada mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não
Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar...
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.
In: A Tribuna, Santos, 27 de novembro de 1960.
NOTHING
Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um para-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipoias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher a toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel's check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.
In: A Tribuna, Santos, 23 de setembro de 1962.
[INÉDITOS]
O que você está falando, menina?
Estou falando que.
Que o quê?
Que.
Vamos dizer que a menina, minha amiga
Pretenderia o quê?
Que.
Fósforos de segurança
Indústrias tais
Fatais.
Isso veio hoje numa pequena caixa
Que achei demasiado cretina
Porque além de toda essa história
De São Paulo — Brasil
Dava indicações do nome da fábrica.
Que eu não vou dizer.
Porque afinal o meu mister não é dizer
Nome de indústria
Que não gosto nem um pouquinho
De publicidade
A não ser que
Isso tudo venha com um nome de família
Instituição abalizada
Que atrapalha a vida de quem nada quer saber
Com ela.
Ela, ela, ela.
Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.
Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.
Nascinaturos espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam brincando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
está brincando mesmo.
O que irritou foi o porquê.
Um peixe.
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
“ Operários “/Obreros
pintura de Tarsila do Amaral, 1933
POEMAS DE PAGU
traduzidos ao Español por PEDRO SEVILLA
https://www.facebook.com/poesiaiberoamericana.antoniomiranda/posts/1048402855263444 )
reproduzidos aqui em homenagem a Pagu e ao tradutor.
Natureza morta
Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados.
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!
Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Si eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém ...
Nem a presença dos corvos.
Natureza morta, el poemas más impotante de Pagú, fue editado por el Diário de São Paulo, el 15 de agosto de 1948, firmado com el seudónimo Solange Sohl.
Naturaleza muerta
Poema de Pagu
Traducido por Pedro Sevylla de Juana
Los libros forman las espaldas de los estantes
distantes quebradas.
Estoy colgada en la pared a modo de un cuadro.
Nadie me sujetó por los cabellos.
Clavaron un clavo en mi corazón para que no me moviera
Ensartaron, ¿no es así? el ave en el muro
Pero preservaron mis ojos
Es verdad que ellos están quietos.
Como mis dedos, en la misma frase.
Se agujerearon en coágulos azules.
¡Que monótono resulta el mar!
Mis pies no dan ni un paso más.
Mi sangre está llorando
Los niños gritando,
Los hombres muriendo
El tiempo avanzando
Las luces resplandeciendo,
Las casas trepando,
El dinero circulando,
El dinero descendiendo.
Los novios desfilando, paseando,
La basura creciendo,
¡Que monótono resulta el mar!
Traté de encender el cigarrillo otra vez.
¿Por qué no muere el poeta?
¿Por qué el corazón se ceba?
¿Por qué progresan los niños?
¿Por qué este mar se muestra incapaz
de cubrir el tejado de las casas?
¿Por qué hay tejados y avenidas?
¿Por qué se escriben cartas y se imprime el periódico?
¿Que monótono resulta el mar!
Estoy empalada en el lienzo pintado
como un monte de frutas pudriéndose.
Sí todavía me quedaran uñas
Enterraría mis dedos en ese espacio blanco
Difunden mis ojos un humo salado
Este mar, este mar no navega por mis mejillas.
Estoy tan fría, y tan sola…
Hasta la presencia de los cuervos me falta.
PSdeJ
NOTHING
Poema de Pagu
Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois só existe o nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada
Nothing, fue el último poema publicado por Pagu viva. Salió en A Tribuna, el 23 de setiembre de 1962 , antes de viajar a París para someterse a la operación del cáncer de pulmón que padecía.
Nothing
Poema de Pagu
Traducido por Pedro Sevylla de Juana
Nada nada nada
Nada más que nada
Porque vosotros queréis que no haya cosa alguna
Pues sólo queda la nada
Un parabrisas partido una pierna quebrada
La nada
Semblantes afligidos
palanquines en mis amigos
Puertas forzadas
Abiertas hacia la nada
Un llanto infantil
Una lágrima de mujer irreflexiva
Que no quiere decir nada
Un cuarto en penumbra
Con un reverbero cuarteado
Niñas que danzaban
Que charlaban
Nada
Un vaso de coñac
Un teatro
Un barranco
Tal vez el abismo simboliza la nada
Un talonario de cheques de viaje
Una partida a for tu nada
Me trajeron camelias blancas y rojas
Un pequeñín me sonrió cuando yo lo abrazaba
Un perro gruñía en mi carretera
Un papagayo decía cosas graciosas
Zagalas se cruzaron conmigo
En una samba armonizada al modo africano
Abrí mi abrazo a los amigos de siempre
Poetas hicieron acto de presencia
Algunos escritores
Gente de teatro
Veletas en el aeropuerto
Y nada
PSdeJ
Canal
Poema de Pagu
Nada mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não
Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar…
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.
El poema Canal fue publicado en A tribuna de Santos, SP, el 27 del 11 de 1960
Canal
Poema de Pagú
Traducido por Pedro Sevylla de Juana
No soy más que un canal
Sería verde si así fuera
Pero murieron todas las esperanzas
Soy un canal
¿Saben ustedes lo que es ser un canal?
¿Solo un canal?
Es cierto, un canal tiene sus nervaduras
Sus lobregueces
Sus algas
Mínimas Nereidas verdes, a veces amarillas
Pero por favor
No piensen que estoy pretendiendo hablar
En bandas
Eso no
Me gustan las banderas ondeando al viento
Banderas de navío
Las calles son las mismas.
El asfalto cuenta con aquellos agujeros,
Los infiernillos inflamados,
¿Lo que está ocurriendo?
Es verdad que está ventando noroeste,
Hay muchachos en los bares
Hay, no sé qué más hay.
Digamos que salga la luna nueva
Que sea esta plantita revoloteando ante mí.
Memoria de mis amigos muertos
Recuerdos de todos los hechos ocurridas
Hay objetos en el aire…
Digamos que aparezca la luna nueva
Iluminando el canal
Sería verde si fuera necesario
Pero están muertas todas las esperanzas
Soy un canal.
Tradução, PSdeJ El Escorial 21 de Agosto de 2007
(Fósforos de seguranza)
Poema de Pagu
Fósforos de segurança
Indústrias tais
Fatais.
Isso veio hoje numa pequena caixa
Que achei demasiado cretina
Porque além de toda essa história
De São Paulo – Brasil
Dava indicações do nome da fábrica.
Que eu não vou dizer
Porque afinal o meu mister não é dizer
Nome de indústria
Que não gosto nem um pouquinho
De publicidade
A não ser que
Isso tudo venha com um nome de família
Instituição abalizada
Que atrapalha a vida de quem nada quer saber
Com ela.
Ela, ela, ela.
Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.
Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.
Nascinaturos espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam brincando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
Está brincando mesmo.
O que irritou foi o porquê.
(Fósforos de seguridad)
Poema de Pagu
Traducido por Pedro Sevylla de Juana
Fósforos de seguridad
Industrias tales
Fatales.
Eso llegó hoy en una cajita
Que hallé demasiado tonta
Porque además de toda esa historia
De São Paulo – Brasil
Daba indicaciones sobre el nombre de la fábrica.
Que no voy a revelar
Porque al fin y al cabo no estoy obligado a decir
Nombre de industria
Que no me gusta ni tanto así
De publicidad
A menos que
Todo eso venga bajo un nombre de familia
Institución avalada
Que complica la vida de quien nada quiere saber
de ella.
Ella, ella, ella.
Hoy me hablaron de manera fina
Todo muy ritual, muy rígido
De asuntillos así más o menos
Sentimentales.
Se balanceaban madejas
En las grandes trepadoras
Estábamos todos por cuenta de.
Nonatos ya nacidos esparcían calderilla
Evidentemente estaban jugueteando
Pues, la verdad es que, en los tiempos actuales
Quien desparrama monedas
O está loco, o es porque
está bromeando aún.
Lo que irritó fue la razón de ser.
Traducido por PSdeJ
Um peixe.
Poema de Pagu
Um pedaço de trapo que fosse
Atirado numa estrada
Em que todos pisam
Um pouco de brisa
Uma gota de chuva
Uma lágrima
Um pedaço de livro
Uma letra ou um número
Um nada, pelo menos
Desesperadamente nada.
Un pez
Poema de Pagu
Traducido por Pedro Sevylla de Juana
Un pedazo de trapo que
arrojaron en una carretera
En la que todos pisan
Un poco de brisa
Una gota de lluvia
Una lágrima
Un fragmento de libro
Una letra o un número
Una nada, por lo menos
Descorazonadamente nada.
PSdeJ
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Página publicada em janeiro de 2015; página ampliada em agosto de 2017
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