OLNEY BORGES PINTO DE SOUZA
''Portanto, a se aceitar o aspecto atemporal desse movimento, _ é de se concluir que Olney Borges Pinto de Souza é um poeta de 45. E o é porque revivifica o soneto, porque reveste a sua dicção de um timbre grave, circunspecto, ao mesmo tempo em que privilegia a palavra como núcleo fundamental de sua praxis poética."
Sérgio de Castro Pinto
SOUZA, Olney Borges Pinto. Anjo de luto. Sonetos. São Paulo: João Scortecci Editor,1985? 104 p.
O ANJO SENSUAL
O anjo sensual (inteligente espelho)
te lecionou teu corpo todo e logo
o desvelou das sombras que não mais
aliciam-te as curvas e a epiderme.
O anjo te angelizou seguindo o rito
profano da matéria estilizada
segundo os cânones da geometria
que a higidez dos sentidos amanhece.
Por isso sabes o apoffneo jeito
de usar os teus sorrisos e cabelos,
flutuando o sol e a brisa em tua pele.
E de tal modo entendes o teu corpo
que cintilas uma aula de luxúria
no contexto sensual das tuas formas.
O LENÇOL AZUL
Brinco teu corpo sobre este lençol
azul turquesa e então invento brisas
que te percorrem a epiderme toda
e te avivam as lâmpadas da carne.
Acendo estrelas sobre a espessa noite
triangular em que dormia o anjo
nostálgico do infindo céu pagão
que sobre o azul lençol te reconstruo.
Brinco teu corpo como se brincasse
tua melhor boneca de menina,
no instante em que a trocaste por ti mesma.
E quando esgotas todas as estreias
daquele céu, este lenço! azul
devolve o anjo à noite que se fecha.
SOUZA, Olney Borges Pinto de. As Pétalas do beijo. São Paulo: Editora Scortecci, 1998. 135 p. 14x20,5 cm. ISBN 85-7372-052-2 “ Olney Borges Pinto de Souza “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Completo o pesadelo
Instala-se completo o pesadelo:
uma torre é tombada num abismo,
há flores mortas procurando cinzas
num espaço de luxo que se encolhe.
Tiras enormes de fatais bloqueios
ancoram barcos em feral paul.
Um cortejo profundo de suicidas
desliza sob a luz de um sol defunto.
Há preces mortas num caminho extinto,
e lágrimas agudas pertencendo
às tampas grossas de ataúdes perto.
A um perfurado céu sobem soluços.
Todos os sonhos formam desistências.
A morte acende os olhos procurando...
17.12.97
Panorama Agressivo
Panorama agressivo. Árvores bruscas
filtrando os largos fios de chuva grossa.
O velho lago da princesa morta
estorcendo-se em doido remoinho.
Uma fonte sutil vertendo pedras.
Um sangue vegetal escorregando
pelas figurações de amplos cavalos.
Caminhos porejando poeira e cinzas.
Relâmpagos torcendo o firmamento
a exibir esqueléticas fraturas.
Um rio largando adeuses pelas margens.
Pousando no ar a colossal notícia
de arremessos de aranhas e de feras.
No horizonte o chamado dos sepulcros.
10.01.98
Os Cárceres
Há muitos cárceres pela existência.
Cárceres negros, assim como roxos.
Mas também os das cores com que as rosas
amiúde nos afligem, ou perturbam.
Situações de empecilhos contra os sonhos,
movimentos agrestes de outras sombras,
culpas alheias figurando nossas,
pecados contra as formas de nós mesmos.
Muitas vezes as grades são feridas
numa coagulação que nunca existe.
Temores e soluços indagando.
E como jogar fora as enxovias?
Paralisando as obras destrutivas
com o uso das sobras da autoestima.
02.02.98
SOUZA, Olney Borges Pinto de. Clave de lua. São Paulo: Editora Scortecci, 2001. 104 p. 14x20,5 cm. “ Olney Borges Pinto de Souza “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Alvorada Infeliz
Alvorada infeliz estilhaçando.
Medram enfermidades entre as flores.
O isolado pinheiro escorre nódoas.
Estão enlutecidos os trinados.
A fonte antiga verte águas roxas.
Estreitam-se os caminhos e as veredas.
Há um espraiado de ervas daninhas.
E estalam fundos gritos da caverna.
O chão padece de apodrecimentos.
Um touro opulentíssimo fraqueja.
Desmancha-se o loureiro em folhas secas.
Crepita o vento um azorrague em lâminas.
Uma nuvem transmuta-se em cinzeiro.
E aceleradas cinzas vão descendo.
02.07.2001
A Cidade Mudou
A cidade mudou. Mudou para pior.
A colossal e infame cornucópia
faz seu derrame de variadas drogas.
Armas de fogo invadem o País.
Greis de malfeitores as recolhem.
Homens de bem tem os seus passos espreitados.
Ninhos de delinquentes proliferam.
A conduta correia padece humilhações.
O tremedal do crime empolga diariamente
a urbe poluída pelo banditismo.
Vão ganhando volume os cemitérios.
A ser/iço do delito, telefones celulares
dão formidando apoio à delinquência.
Quando um obreiro sai para o trabalho,
mãe e filhos indagam: Voltará?
Página publicada em junho de 2012; página ampliada e republicada em maio de 2015. |