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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

NUNO RAMOS

 

Nasceu em São Paulo, em 1960.  É artista plástico e autor dos livros Cujo (1993) e O Pão do Corvo (2001), pela Editora 34.  Ensaio Geral (2007) e O mau vidraceiro (2010), pela Editora Globo, e Ó (2009) – vencedor do Prêmio Portugal Telecom -, pela Editora Iliminuras. 

 

De
RAMOS, Nuno.  Junco.  São Paulo: Iluminuras, 2011.  118 p.  ilus. fot. Formato 14x18 cm.   ISBN 878-65-7321-348-5  Apresentação de Flora Süssekind.  Fotografias feitas ao longo dos 14 anos de elaboração do poemário. O poema 43 utiliza quatro versos de  “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Projeto gráfico: Sandra Antunes Ramos. Capa: Sandra Antunes Ramos e Nuno Ramos. Livro composto em tipologia Baskerville, corpo11/16, em papel offset 120 gr/m2,, nas oficinas da Bartira Gráfica, em São Bernardo do Campo.

 

Existe beleza na feiura. São belos os versos cruéis de Lautrémont, na maledicência de Gregório de Mattos, no esperpentismo de  Quevedo e no esperpentismo das imagens de Goya. Beleza é uma questão de estética. Versos bonitos não fazem boa poesia, até podem fazer poesia feia... Nem vamos citar nomes de poetas piegas, lacrimogêneos, bregas e sedutores de plantão. No livro de Nuno Ramos há beleza na feiura dos versos e nas fotos, que nasceram de um mesmo processo criativo. Os poemas são cruelmente belos. Sem escatologia, sem descrições naturalistas e chocantes. O discurso é fraturado, algumas palavras são divididas fora das regras gramaticais, e sem cair no hermetismo. Versos fortes. Um artista plástico e poeta que constrói uma linguagem própria e apropriada. Poesia é invenção? Ok, mas qualquer uma? Aqui está um bom exemplo. Vou buscar os outros livros do poeta, mas este já me convence de sua criatividade. ANTONIO MIRANDA

 

l.

 

Cachorro morto num saco de lixo

areia, sargaço, cacos de vidro

mar dos afogados, mar também dos vivos

escuta teu murmúrio no que eu digo.

 

Nunca houve outro sal, e nunca um dia

matou o seu poente, nem a pedra

feita de outra pedra, partiu o mar ao meio.

Assim é a matéria, tem seu frio

 

e nunca vi um animal mais feio

nem pude ouvir o seu latido.

Por isso durmo e não pergunto

junto aos juncos.

 

12-96/01-03

 

 

3.

 

Estrutura triturada.

Sal misturado à lava

do. mar, minério mole.

Sol pegado à pele

calva do céu. Ruga

de um urubu na espuma.

A chuva

sua

moluscos

na cratera dos sargaços.

 

05-97/02-06/09-09/04-10/09-10

15

 

 

19.

 

O chão é a grande pergunta

haver chão

se tudo voa

e quer cantar.

 

Haver morte e poeira

cobrindo os lábios carnudos

e gozo

nos fios dos cabelos mortos.

 

Voltar quando partir

parece o impulso da bússula

parece o recado da ave

parece a cartilha do sopro.

 

06-08/11-09

 

 

Poemas ineditos de  Nuno Ramos

 

Fragmento de

Sermões para jornal

 

 

Ouve, cão ou

tronco, passante, transeunte anônim

o

se pudesse teria ido junto

como quem mostra o caminho.

Mesmo porque

minha felicidade

tendo partido com ela, estaria

melhor do lado de lá.

Eu que não sabia estar boiando

nas coxas grossas

gordas

dela         

eu, fr-

ágil caniço, caolho

de olho acendido, encanado

comigo e com cada

detalhe das coisas

secretas, azuis

eu, cara

de cão, entranha

de cão

tronco ou perfume de um bicho acuado

rosa pisada ou pronome vazio

queria ter carregado a lanterna em seu caminho

de m

aos dadas com ela. S                  

era que chamou por   

alguém, algum   

mendigo ou guarda

noturno (há    

isso por lá?)

ou, para não dar trabalho (ob

sessiva

autonomia), fechou

os olhos e chorou sozinha?

Houve tempo para espanto

pasmo, espinho

na pata ou uma entranha

nova recitou sua fala (sozinha!)

mordendo como morde agora á minha?

Alguém cantou? Chovia?

Sofrimento
inédito, que masca

meus dentes, moenda              '

dos órgãos mais íntimos, para doer

num canto secreto onde nunca estive antes

pus

sútil que circunda a corcunda

do músculo do pau quando fica duro:

odos os meus líquidos

queriam morrer junto       

mas não podem

estão vivos.

 

Anjo pintado no asfalto

penas

de asas caídas

em cada umbral, como um signo

de proteção antes da chacina.  

Involuntário cadáver

boca amorosa e maior que uma boca chupando

fecha                     

parêntese, fecha, mucosa        

geral, pele total

transpirando por tudo

leite               

minando

de cada parede, al

egria e domingo.

Não falarei mais nisso.

 

Não falarei roais nada. Estendo a mão

à figura cavada, v

acante. Anjo e boneco: haverá espetáculo. Haverá

luz na cara, pomada, poeira

perfumada e risadas na multidão.

Seremos

felizes

à luz sem mãos das marionetes.

Escancarar

com amídalas inflamadas

o imperativo de viver

isso cabe à dança, tirar

os pés de dentro da pedra, trocar por carne

cada camada do corpo de pedra

de volta ao f

ôlego nas juntas. Sim

as rótulas dobrando

a boca berrando, os olhos

negando

ap

aralisia da estátua          

irreal alimária

de bronze ou de prata. Não. Anjo e boneco

haverá mais um dia

dentro da nova maçã, onde um ponteiro

(e não

meia dúzia

de pevides)

mora. Haverá minha vida

dentro da tarde

quero mais.

                   

 

Extraído de
SUPLEMENTO CULTURAL DE SANTA CATARINA
n. 77
Fundação Catarinense de Cultura
Editor: Marco Vasques
(de exemplar gentilmente enviado pelos editores)

 

 

Página publicada em dezembro de 2011; ampliada e repunlicada em junho de 2013.

 

 

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