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NELSON MOURÃO

 

 

MOURÃO, Nelson.  Espécie humana. Poemas. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2007.  64 p.  14x21 cm  Ilustraçãoda capa e miolo: Lydio Bandeira de Mello. ISBN 978-85-89126-80-9 

 

SEM VERBA, SEM VERBO

Sem verba na balança,
balança o verbo, tudo dança.
Nesse ritual sem lança, sem arma,
O homem se arma e a lança alcança.
É a luta que a Terra enluta
E, em luta continua, o homem avança.
E a liça que rola roliça,
A batalha que tece a mortalha,
A pugna que impugna a vida,
O grito em negrito do homem aflito.
No ar, a luz do canhão e o clarão do morteiro.
No homem, o rombo na carne, do tiro certeiro.
Na terra, o som cavo, do corpo que tomba.
Na face exangue, a cor ocre de sangue.
É a morte no hemisfério norte,
O apagar do azul no hemisfério sul,
O estilhaço fatal na América Central.
E a contenda finda, contendo o fim da disputa.
A lança é enterrada! A arma... calada
O verbo se aquece; da verba... se esquece
E todos dançam a dança da vida.

 

                                               Porto Velho, RO, 8/6/1989

 

         DESTROÇOS HUMANOS

 

Às terças,

Tarsos e metatarsos se dirigem
ao Largo da Sé,
Onde carpos e metacarpos se contorcem entre terços,
Enquanto torsos e dorsos

                   se inclinam em surtos de fé!
Traços e troças de uma cultura,
Que ao traçar seu futuro,

se queda marchando a ré.
 

Rio, 1990 

 

FILTROS DO GOVERNO 

Das fraudes,

Do pouco que à tona surge,

Um pouco menos se ouve;
Do imperceptivelmente ouvido,
Menos ainda é entendido;
Do quase nada entendido,
Nada é apurado.

Quando investigadas e toda a trama provada,

Ninguém é punido.

Das verbas públicas volatilizadas,

Riquezas pessoais são materializadas.

Nas Leis Físicas da Corrupção,

Funde-se em lama

O Patrimônio da União.

Nesses monólogos de surdos e quase mudos,

Os quasímodos imorais

Se protegem, escondidos,

Nas torres das podres catedrais constitucionais.
 

                      Rio, 1996  

        CRIADOR X CRIATURA

Enquanto os crentes, em suas igrejinhas marotas,

Falam do criador e da criatura,

O criador, furtivamente, se compraz,

Observando, das catedrais, a arquitetura

E nessas teias de urdiduras estranhas,

Das criaturas, o criador come-lhes o cérebro

e, por fim, as entranhas.

 

        Rio, 1997

 

Página publicada em março de 2017

 



 
 
 
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