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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


NELSON ASCHER

 

NELSON ASCHER

 

 

Nelson Ronny Ascher (São Paulo, 1958) é um poeta, tradutor e jornalista brasileiro. Cursou um ano de medicina, para enfim seguir o curso de administração da Fundação Getúlio Vargas e posteriormente pós-graduação em semiótica na PUC-SP. Colabora com o jornal Folha de S. Paulo desde a década de 1980, escrevendo sobre literatura, cinema e política. Hoje sua coluna é publicada às segundas-feiras no caderno Ilustrada. Em 1988/89 criou a Revista USP e se tornou seu editor, cargo no qual permaneceu até 94. Parte de seus artigos está reunida em Pomos da Discórdia (1993).

Como poeta lançou Ponta da língua (1983), Sonho da Razão (1993), Algo de Sol (1996) e Parte Alguma (2005). Suas traduções estão reunidas em O Lado Obscuro (1996) e Poesia Alheia (1998). Colaborou com Boris Schnaiderman na tradução de A Dama de Espadas, de Pushkin (Алекса́ндр Серге́евич Пу́шкин).

Organizou com Régis Bonvicino e Michael Palmer a antologia Nothing the sun could not explain: 20 Contemporary Brazilian Poets. Foi ganhador de uma bolsa Vitae em 1997.  Fonte da biografia: Wikipedia

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS  TEXTOS EN ESPAÑOL

 

 

POEMS IN ENGLISH

 

 

Veja também: POEMA INFANTIL de Nelson Ascher

 

TROMPAS

Se tua língua
linda, de longa
lábia se aninha
em cada lábio
lábil da minha
trompa de EUSTÁQUIO
e langue-lenga,

a minha língua
logo se vinga,
lambe o batom
sabor de ópio
de tuas trom
pás de FALÓPIO
e por lá míngua.

(1981)

 

Poema extraído de
CORPO EXTRANHO – Revista de Criação – 3. Janeiro –  Junho 1982. Editora Alternativa. 

 

 

 

NAÇÃO DE PÁRIA
               (semiplagiado de Duda Machado,
                 a quem o dedido)

Não que me agrade
gaiola ou grade —
pelo contrário.

Não que me agrade
lá dentro um ar de
rosas: meu páreo

não é bem este e,
como da peste,
corro por fora,

enquanto a esfinge
feroz nem finge
que devora.

Porém sucede
que, sem parede,
nada me ecoa,

nem a arbitrária
páatria que, pária,
procuro à toa.


TROPICAL

a musa teima
nas entrelinhas
deste poema
como na minha

cabeça um símio
banal se abana
inverossímil
entre bananas.


HÖLDERLIN

      para Antonio Medi: Rodrigues

Luz não se vê tão límpida
quanto, inundando a casa,
aquela que extravasa
fugaz  de qualquer lâmpada

que, de repente, exalte-
se e atinja, por um átimo,
à beira do blecaute
mais último, seu ótimo.

Cega ao fulgor, a orelha
talvez capte de esguelha
um ultra-som que, esgar-
çador como um lamento
no afã de se queimar.


MAIS DIA MENOS DIA


Coágulos de perda
de tempo, adiamento,
atraso e espera, ou seja,
minúsculas metásteses

de caos se interpõem entre

— irrelevante qual
dos dois corre na frente —
a tartaruga e Aquiles

(i débito na conta;
no trânsito, a demora;
um ácido no estômago;
frente ao correio, a fila;

o mofo no tecido;
nos músculos, a inércia;
cupins na biblioteca;
sob o tapete, o lixo;

um óxido no ferro;
nas ppalpebraws, o sono
e, como que aderindo,
à guisa de enropia,

ao âmago dos nervos,
embotam mais um pouco
o ritmo arraigado
relógio biológico.

 

Poemas extraídos de ESSES POETAS – Uma antologia dos Anos 90, org. de Heloisa Buarque de Holanda.  Rio de Janeiro: Aeroplano,  1998.

 

 MEU CORAÇÃO

 

         "Mein Herz, mein Herz ist traurig"

Heine

 

 

Se tenho um coração maíor que

o mundo, por que seus ventrículos

fecham-se em pontos tão ridículos

quando oxigênio algum retorque

 

as carências da carne? Aparte

isso, o lipídio sujo encarde o

sangue que irriga o miocárdio

por dentro até que o seu enfarte

 

maciço torne enfim as várias

figuras líricas, diletas—

letais. Dizei-me, enfim, poetas:

o amor entope as coronárias?

 

De Da ponta da língua (1983)

 

 

AMOR

 

O olhar desapropria

a forma alheia, o ouvido

sequestra a voz alheia,

o olfato rapta o odor

 

alheio, o paladar

rouba o sabor alheio,

o tato furto a carne

alheia, ou seja, a própria;

 

reluz o olhar alheio

do visto em outro, ecoa

o ouvido alheio um outro,

rescende o olfato alheio

 

a um outro, sabe a um outro

o paladar alheio,

tateia o tato alheio

um outro, ou seja, o mesmo.

 

                   De O sonho da razão (1993)

 

 

MÁQUINAS

 

Se — máquinas precisas

que somos de morrer —

nossa função implica

memória ininterrupta,

 

por que, afinal, possuis

(lubrificadamente

contrátil entre as pemas)

o teu lagar de amnésia?


De Algo de sol (1996)

 

 

PARTE ALGUMA

De
PARTE ALGUMA

Poesia
São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
ISBN 85-359-0626-6

 

“O rigor construtivo da poesia de Nelson Ascher experimenta e transfigura a essência das formas tradicionais. É um lírica singular, em que o humor mordaz e a auto-ironia perseguem a dissonância. Cotidiano e política se relacionam para explorar as ambiguidades de nosso tempo. Há um lugar, parte alguma, em que tudo ganha sentido.” (De contra-capa do livro).

 

Recomendamos o livro com entusiasmo! Está entre os melhores, os mais intrigantes, os mais instigantes! A. M.

 

 

Aqui jaz Nelson Ascher consumido
pelo amor-próprio não correspondido.

CÚMPLICES

 

Esgueiram-se de ponto

a ponto paralelos

que nem tênias xifópagas

rastejam feito lado

 

a lado duas cobras

anêmicas destacam-se

da terra tumefactos

como varizes gémeas

 

e aos pares serpenteiam

que nem as sibilantes

de uma palavra implícita

num gesto o camponês

 

polaco acena e sor-

ridente passa como

se fosse faca o dedo

rente à garganta enquanto

 

de toda parte a parte
alguma serperteiam
destacam-se da terra
rastejam lado a lado

se esgueiram paralelos
e aos pares como os cúmplices
que são: todos os trilhos
vão dar no matadouro.

 

 

ENCONTROS

 

Há gente que eu encontro

na rua e me sorri

(o fósforo, dormindo

ensimesmado dentro

 

da caixa, sonha incêndios)

e eu lhes sorrio; há gente

que encontro numa loja

e me sorri (a lâmina

 

da faca que repousa

numa gaveta aguarda

o dedo distraído)

e eu lhes sorrio; há gente

 

que encontro na garagem

e me sorri (o fio

se aquece na parede

acalentando alguma

 

faísca) e eu lhes sorrio;

há gente que eu encontro

até no elevador

e me sorri (a carne

 

que está na geladeira

fermenta aos poucos sua

toxina), eu lhes sorrio

e cada qual de nós,

 

descendo em seu andar,

ligando o carro (salvo

se acaba de guardá-lo),

fazendo (ou não) as compras

 

e prosseguindo rua

abaixo ou rua acima,

medita na segunda

lei da termodinâmica.

 

 

ASCHER, Nelson. O Sonho da razão. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.96 p.  12x18 cm.    ISBN 85-85490-10-1  “ Nelson Ascher “ Ex. bibl. Antonio Miranda
 

etimologia

 

          p/ décio pignatari

 

Depois de uma exegese

mordaz no nível sétimo

do sétimo sentido,

descubro, em que me pese

o atávico, meu étimo

primevo antes perdido,

 

porque na linha reta as

raízes (minha origem

mais última), no rosto

avesso do planeta,

são árvores que vigem

e ignoram onde, oposto,

 

não sei como se fala

tão longe, mas tateio

seu verbo escuro, já que

só falo (eis a cabala a

prová-lo) o quase alheio

sotaque de um sotaque.

 

NO CENTENÁRIO DE MALLARMÉ

 

Embora ao jogo adestre

a língua que, selvagem,

resolve-se em linguagem,

o indecifrável mestre

 

perscruta, além das extre-

midades, na voragem

de estrelas que interagem,

uma inscrição rupestre

 

gravada desde o início

na abóbada suprema,

em busca de um indício

 

do verbo que se queima

feito um minério físsil

na origem do poema.

 

 

=============================================================

 

TEXTOS EN ESPAÑOL

TRADUCCIONES DE ADOLFO MONTEJO NAVAS*

 

 

NELS0N ASCHER

 

(São Paulo, 1958) Con especial atención para la sonoridad, la etrificación y la rima contemporánea, su poesía renueva por dentro y con aliento virtuosista, formas cerradas y abiertas, incluyendo una densa relectura de las posibilidades expresivas de la poética postcabralina y de la postvanguardia concreta. Maestro del poema como juego del pensamiento (logopeya), según Arthur Nestrovski, sus versos nunca caen en melodías sentimentales y sí en sueños racionales de la palabra. La perturbación de la sintaxis no destruye el discurso (Claudio Daniel). Es uno de los mejores y más amplios traductores actuales de poesía extranjera y activo crítico cultural.

 

OBRA POÉTICA: Ponte da língua, 1983; O sonho da razão, 1993; Algo de sol, 1996.

 

 

MI CORAZÓN

 

         "Mein Herz, mein Herz ist traurig"

Mein Herz

 

 

Si tengo un corazón más grande

que el mundo, ¿por qué sus ventrículos

se cierran en puntos tan ridículos

si los aires en contra van de

 

las carencias del cuerpo? Harto

el mugriento lípido segrega

el plasma que el miocardio riega
por dentro hasta que su infarto

 

compacto tome en fin las varias

figuras líricas, dilectas,

letales. Decidme, poetas:

¿ciega el amor las coronarias?

 

De Da ponta da língua (1983)

 

AMOR

 

El mirar desapropia

la otra forma, el oído

secuestra la otra voz,

rapta el olfato un otro

 

olor, el paladar

roba el sabor ajeno,

el tacto hurta la carne

ajena, o sea, la propia;

 

luce el mirar ajeno

lo que otro vio, repite el

oído un otro, ajeno,

huele el olfato ajeno,

 

a un otro, sabe a otro

el paladar ajeno,

tutea el tacto ajeno

un otro, o sea, el mismo.

 

         De O sonho da razão (1993)

 

 

 

MÁQUINAS

 

Si —máquinas precisas

que somos de morir—

nuestra función implica

memoria ininterrumpida,

 

¿por qué, al final, posees

(lubrificadamente

contráctil entre las piernas)

tu lagar de amnesia?

 

De Algo de sol (1996)

 

 

*De Correspondencia celeste. Nueva poesía brasileña (1960-2000). Introducción, traducción y notas de Adolfo Montejo Navas.  Madrid: Árdora Ediciones, 2001 – Obra publicada com o apoio do Ministério da Cultura do Brasil.

 

*Nota: o tradutor Adolfo Montejo Navas é amigo comum nosso com Wagner Barja, e o convidamos a participar da exposição OBRANOME 2 no Museu Nacional de Brasília, durante a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília 2009. Montejo Navas prometeu-nos suas traduções ao castelhano e só na Espanha, em viagem, é que conseguimos os originais que estamos divulgando parcialmente no nosso Portal de Poesia Ibeoramericana, com os agradecimentos.

 

POEMS IN ENGLISH 

 

Nelson Ascher was born in São Paulo, 1957, from Hungarian parents. He studied Medic ine at USP-University of São Paulo, and graduated in Business Administration and Economics from FGV-Getulio Vargas Foundation. He worked as a financial administrator, and later, with Folha deS. Paulo, as cultural editor and columnist. In 1988 he founded Revista da USP (USP Magazine), which he directed until 1994. He has been publishing literary criticism in the general media and specialized magazines since the late '70s, and has been writing movie and TV criticism, as well as articles on international politics. He translates poetry from Hungarian. English, French, and Russian. He has published three poetry books: Ponta da língua (1983), O Sonho da Razão (1993), and A Estátua de Wallenberg (1995). 

 

Translated by Dana Stevens)

ASCHER, Nelson.  Algo de Sol. São Paulo: Editora 34, 1996.  s.p.
12 x 18 cm.                               Ex. bibliotecAde Antonio Miranda  

 

       
      FLAGRANTE

      
Opaco, mas translúcido
      durante o ocaso, como
      pomar onde a ramagem
      das árvores frutíferas

      Admite obliquamente
      a luz emaranhada,
      o nylon do vestido
      que vestes filtra o sol

      exangue, cujos raios,
      a fim de desenhar-te,
      imbricam-se num último
      flagrante, que dissipa

      a sede da retina
      na qual se imprime (nítida
      radiografia) o teu
      contorno curvilíneo.


      FELLINI

       
Turista que, no meio
      de Roma, buscas Roma
      não só nos monumentos
      — mil-folhas cronológico

      da história freqüentável —
      mas entre as triplas dobras
      (nesse bordel non-stop
       
que chamam a memória)

      de exageradas carnes,
      sem nada achar em Roma
      
da Roma de teus guias
      nem mesmo no metrô que,

      cruzando catacumbas,
      demonstra, arqueonostálgico,
      quão up-to-date é — mais
      que o Michelin — Petrônio:

      constata (!) que, se cada
      instante expõe-se apenas
      interminavelmente
      no esgar de um instantâneo

      contínuo (pois a pedra
      é pó e o pó, conspícuo),
      só dura — celulóide
      onírico — o que passa.



       ORFEU E EURÍDICE

       
Todo o poema se perdeu,
       que estava em meus neurônios antes,
       tão logo foi, poucos instantes
       atrás, escrito; ou converteu—

       —se em variação menos do seu
       tema que de outros, semelhantes,
       no desenlace, ao dos amantes
       naus arquetípicos — Orfeu

        perdendo Eurídice ao olhá-la —
        e a página, sem traço algum do
        que imaginei, parece a vala

        comum de quanto seja oriundo
        da inspiração, que é sempre rala:
        o esquecimento, que é sem fundo.

DESCONTRÁRIOS – UNENCOUNTRARIES: 6 poetas brasileiros - 6 Brazilian poets: Nelson Ascher et al. Projeto e coordenação editorial Josely Viana Baptista, projeto gráfico e desenhos Francisco Faria, versões dos poemas para o inglês Regina Alfarano et al. Curitiba: Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba/ FCC; Associação Cultural Avelino Vieira / Bamerindus, 1995.   158 p. ilus.  “ Josely Viana Baptista “ Ex. bibl. Antonio Miranda 

 

Bashô em Paris

 

          para Rose

 

 

Manhã de gala:
flores, imóveis
damas desnudas,
desfilam cores.

 

Midi le juste.
suicida, o sol,
no mar de suor,
se põe a pino.

 

Tarde-alfarrábio:
folhas em verde,
como as impressas,
amarelecem.

 

Que noite albina!
A torre, embora
de ferro, quase
treme de frio.

            (O sonho da razão, 1993)

 

 

Basho in Paris
 

          for Rose

 

Gala morning:
 flowers, nude
still ladies,
parade colors.

 

Midi le juste:
suicidal, the sun,
in a sea of sweat,
sets at high noon.

 

Second-hand afternoon:
leaves in green,
like printed sheets,
turn yellow.

 

What an albino night!
The tower, though
made of iron, almost
shivers from cold.

 

 

Meu coração

 

"Mein Herz, mein Herz ist traurig"

(Heine)

 


Se tenho um coração maior que
o mundo, por que seus ventrículos
fecham-se em pontos tão ridículos
quando oxigénio algum retorque

 

às carências da carne? À parte
isso, o lipídio sujo encarde o
sangue que irriga o miocárdio
por dentro até que o seu enfarte

 

maciço torne enfim as várias
figuras líricas, diletas —
letais. Dizei-me, enfim, poetas:
o amor entope as coronárias?

 

          (O sonho da razão, 1993)

 

 

My heart

 

Mein Herz, mein Herz ist trãurig"

(Heine)

 

 

If my heart is larger than
the world, why then do those ventricles
close doum into ridiculous points
when no oxygen at ali replies

 

to the needs of theflesh? What’s more,
the dense lipid stains
the blood that floods the myocardium
internally until a massive

 

stroke finally turns the various
lyric figures, so esteemed —
lethal. Then, poets, do tell me:
can love clog the coronaries?

 

Translated by Regina Alfarano

(revised by Dana Stevens)

 

 

 Correspondências

 

Há pássaros que tento
ouvir, mas sem sucesso
e, embora busque atento

 

virá-los pelo avesso
feito uma tela abstrata,
eu nunca os reconheço.

 

Pior quando se trata
das árvores, pois estas
escarnem da inexata

 

visão que nem atesta
se são, como se pinta,
diversas da floresta.

 

E o próprio tato, ainda
que insista, não discerne
o quanto são distintas

 

as pedras quando inertes
expõem com diferenças
seus diferentes cernes.


O ouvido não compensa
o olhar, nem este, assíduo,
compensa o tato; a avença

 

que houver no seu emprego
— sentidos sem sentido! —
restringe-se a um nó cego

 

          (O sonho da razão, 1993)

 

 

 

          Correspondences

Some birds I try and dare
to listen to, without success
and tbough I search with care

 

to turn them inside out
as in an abstract painting,
I never make them out.

 

Worse still when trying
with trees, since these
but mock our lying

 

vision, refusing to attest
if they are, as thought,
separate from tbe forest.

 

Touch itself, though it insists
cannot discern
that which resists

 

when inert rocks
through differences expose
their different locks.

The ear does not presuppose
the eye, nor does the latter, alert,
presuppose touch; to impose


any requirement on the lot
— senseless senses! —
yields nothing more than a blind knot.

 

Translated by Regina Alfarano

(revised by Dana Stevens)

 

 

 

Cálculo


O encéfalo apodrece
mais rápido que a pele,
a carne e toda espécie
de víscera, pois nele,

 

mais lógica que, dente
abaixo, a cárie a fio
que enche inteiramente
o cheio de vazio,

 

mais viva que lombriga
que, dado o seu contínuo
alongamento, abriga-
se ao longo do intestino,

 

mais sólida que, dentro
do rim, a pedra quando
em desenvolvimento
vai se cristalizando,

 

mais súbita que, veia
afora, enfim maduro,
coágulo que freia
o sangue ao vir a furo,

 

entranha-se entrementes,
como se apenas fora
um cálculo inerente
ao cérebro, a memória.

 

(O sonho da razão, 1993)

 

 

 

Calculus

 

The brain rots
faster than the skin,
flesh and all specimens

of víscera, for therein.

 

more logical than, along
the tooth, a cavity streak
that fills in oblong
the mass with leak

 

more active than a roundworm,
which given its continuous
lengthening, finds a warm
site in the intestine,

 

more solid than, in-
side the kidney wall,
a stone, while growing
turns to crystal

 

more sudden than, wandering

in the veins, now ripe,

a clot blocks

the blood in its pipe,

 

there hides in their midst,

as if it were only

a calculus built

in the brain: memory.

 

Translated by Regina Alfarano

(revised by Dana Stevens)

 

 

Onde há fumaça

"dann steigt ihr ais Rauch in die Luft (Paul Celan)

 

Fumaça alguma implica
memória, já que as coisas
se perdem na fumaça
que, assim, tampouco pode

 

tornar-se um monumento,
pois sendo transitória
nem mesmo homenageia
a transitoriedade.

 

Fumaça enquanto tinta,
embora branca (um branco
mais palidez de horror
que alvura de inocência),

 

serve talvez à escrita;
porém, não há destreza
que inscreva na fumaça,
como na pedra, um nome.

 

Quando a fumaça, quase
vegetativa, irrompe e,
traindo o genealógico,
assume aspecto arbóreo,

 

          não cabe perguntar

          acerca (onde há fumaça,

          há cinzas) das raízes

          mais fundas da fumaça.

 

(O sonho da razão, 1993)

 

 

 

Where there 's smoke

"dann steigt ihr ais Rauch in die Luft"

(Paul Celan)

 

No smoke implies
memory, since things
are lost in smoke
which cannot thus

 

become a monument,
for being transitory, it
pays no homage
even to transitoriness.

 

Smoke as ink,
though white (more white
of horror's paleness
than innocence's purity),

 

may serve for writing;
but where 's the skill
that inscribes in smoke,
as in a rock, a name?

 

When smoke, near-
vegetal, bursts
forth and,
betraying genealogy,
takes on arboreal shape,

 

one mustn 't ask
about (where there's smoke,
there's ash) the deepest
roots of smoke.

 

Translated by Dana Stevens)

 

 

 

Elegia

 

Primeiro, fatos: uma
fuselagem de penas
há pouco destroçada
no asfalto, por assim

 

dizer, indiferente
às mesmas, antes brancas,
que, se já não contestam
a hegemonia cinza

 

do acaso ao fim da tarde
exceto pela mancha
vermelho-suja, ou seja,
o vôo em negativo

 

de vísceras explícitas,
sugerem, todavia, o
que, sem dúvida, fora
um pombo. Nada trágico:

 

um episódio apenas
na sequência total de
fenômenos anônimos
e além disso complexos

demais para a cabeça
de um pássaro, aliás,
somente uma cloaca
volante, ameaçando a

tranquilidade asséptica
dos pedestres. Contudo,
na reformulação de
seus componentes, algo,

anódino talvez, se
perdeu. — Mesmo o poema,
na melhor das hipóteses,
não passa de uma autópsia.

 

          (Ponta da língua, 1983)

 

 

 

Elegy

 

First, the facts: a feather
fuselage wrecked
not long ago
on the asphalt, so to

 

speak, indifferent
to these feathers, which, once white
(though they no longer
dispute the grey hegemony

 

of hazard at evening,
— except for the dirty —
red stain, that is,
the negative flight

 

of explicit guts)
suggest, nonetheless, what
must have been
a pigeon. Nothing tragic:

 

Just an episode
in the whole series of
anonymous phenomena
too complex, furthermore,

for the mind
of a bird — itself
nothing but flying
cloaca, menacing

the aseptic tranquility

ofpasserby.Still,

in the reformulation

of its components, something,

 

useless perhaps, was

lost. Even the poem,

in the best of hypothesis,

is nothing more than an autopsy.



*
 Página ampliada e republicada em janeiro de 2024

 

 

Página publicada em outubro de 2008; ampliada e republicada em fev. 2009. Ampliada em fevereiro de 2016

 

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