NATASHA FELIX
Natasha Felix tem 19 anos. Nascida em Santos, se naturalizando em São Paulo há dois anos. Produziu o zine "Anemonímia" em 2016. Bota seus poemas & outros testículos no facebook e no blog anemoniavulcanica.tumblr.com.
Extraído de
mallarmargens
revista de poesia e arte contemporâneas
ISSN 2316-3887
craquelada
tenho habitado muitos riscos.
o baiacu inchado na garganta insiste em
me competir o ar. como trepar em montevidéu
e acordar no jaguaré: genealogia do deslocamento -
me abstenho de maiores explicações.
li piva como quem toma chá de camomila com canela
assim descobri que o erro é um bacanal lotado de ex
marido. não dá pra ler piva antes do dejejum de uma
segunda-feira do mesmo jeito que não dá pra esperar
o baiacu sair da garganta por vontade divina. tenho
ficado muito quieta &
no silêncio a evidência me expõe:
a memória das sereias do tejo, essa eu invejo; das
prostitutas da Mongólia tenho os mesmos dentes
vermelhos. não sei onde guardei as fotos da
ultima ida ao mercadão de são paulo. onde deixei
o molho de chave, onde foi parar aquele gozo na páscoa de 98,
o jornal pra embalar os cacos de vidro, não sei onde. o
baiacu espinha minha glote, me impede a distância.
mesmo assim eu e o que restou das minhas
lembranças tombadas – nebulosas e uruguaias
como você –
no ringue,
lutando contra o peixe, eu.
Poemas extraídos de
ô catarina! 88 SUPLEMENTO CULTURAL DE SANTA CATARINA
SET. 2017 - ISSAN 2318-3063
(exemplar gentilmente enviado pelos editores)
esse tumulto debaixo do vestido.
chego perto
a atrofia dos dedos
na culpa cristã
já não existo aqui —
desse ponto adiante
sou daniel aos leões
dentro
um coração de gueixa
fechado em si
recolhe os próprios cacos
ritual
impenetrável
não se deixa ver.
não movo uma peça
você parado no outro extremo
do quarto,
conto os dedos das mãos mais uma vez
para ter certeza.
conto sobre o poeta
enterrado no deserto do namibe
para ter certeza.
vigio a porta da frente
na espera do bote, os felinos.
aqui não tem tempo.
areia no sexo
suja
completamente suja
mais imunda a cada banho
o que fazer
agora
não explicam.
corpo não é despejo
diga corpo não é despejo
meu corpo não é teu aterro.
não sirvo pra ser tua menina.
o que eu quero é a orgia na romaria sacra
chupar sorvete no mercadinho
dizer Luanda
sem medo do homem que me come.
o que eu quero é esquecer
o dia em que rezei gritado
me explica por favor me explica
se não apenas essas alternativas
a) a sina de ser desabitada.
b) simular o beijo, o suor, a afronta.
c) grifar só as vírgulas nas tragédias gregas.
me explica por favor me explica
se sou eu quem liquida o corpo ou
é ele quem me trucida.
quem sabe
se não tivesse chegado perto demais
teriam passado em branco
as ogivas nucleares
instaladas pela redondeza &
não faria parte do vocabulário
o risco
nem a velha urgência em dizer
tenho tanto medo. n.
falariam sobre o menino
naquele dia enquanto ele
escancarava o peito no arpoador
como se velasse o sonho
aberto ao sol do meio-dia
sem cuidado algum
quem sabe
se não tivesse chegado de repente
a cidade não teria sumido
como sumiu sem aviso
saberiam endereços e pontos turísticos
não haveria o cego a luz o desejo agora
muito menos o tropeço no perigo
ainda teriam o menino
colado à vista
longa a fuga se faria nele.
Página publicada em outubro de 2017
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