POESIA AFRO-BRASILEIRA
MIRIAM APARECIDA ALVES
Miriam Aparecida Alves nasceu em São Paulo em 1952. É assistente social e professora. Começou a escrever aos onze anos, conforme relatou para a revista estadunidense Callaloo (1995, p. 970-2). Na década de 1980, passou a integrar o coletivo Quilombhoje Literatura, responsável pela produção dos Cadernos Negros, publicação na qual estreia no número 5, de 1982.
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Seu primeiro livro, Momentos de busca (1983) é resultado de exercícios e experimentos praticados e reelaborados desde a adolescência e o convívio com o projeto coletivo das duas últimas décadas do século, empenhado em dialogar com a tradição da literatura negra ocidental.
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Em 1985, lança seu segundo livro de poemas, Estrelas no dedo, no qual o lirismo se mescla à contundência do embate com uma sociedade que ainda veta ao negro o acesso à plena cidadania.
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Presença constante na cena literária afro-brasileira, Miriam Alves vem tendo seus trabalhos estudados por diversos pesquisadores e objeto de artigos, teses e dissertações em universidades brasileiras e estrangeiras.
Veja a biografia completa em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/348-miriam-alves
Insone ouço vozes
Calor afogueia
os pensamentos de espera. Quando
embalo na cama da noite
insônia de séculos.
Ouço ruídos de tambores
sobressaltos alimentam
meus pés
Nos pensamentos da esperança
embalo na cama da noite
as dores do meu tempo
Ouço vozes
emanadas dos exércitos humanos
contidos.
Na cama da noite
movimento minhas mãos
embalo medos, espantando-me
diante do conhecido
Nos pensamentos de espera
solto minha rouca voz:
bala de chumbo
Nos pensamentos de esperanças
espreito, de olhos baços
arregalados na insônia de aguardar
a hora de entrar em ação.
Pedaços de mulher
Sou eu
que no leito abraço
mordisco seu corpo
com lascivo ardor
Sou eu
cansada inquieta
lanço-me a cama
mordo nos lábios
o gosto da ausência,
sou eu essa mulher
A noite
no eito das ruas procuro,
vejo-me agachada nas esquinas
chicoteada por uma ausência
Desfaleço
faço-me em pedaços
Mulher
sou eu esta mulher
rolando feito confete
na palma de sua mão
Mulher - retalhos
a carne das costas secando
no fundo do quintal
presa no estendal do seu esquecimento
Mulher - revolta
Agito-me contra os prendedores
que se seguram firme neste varal
Eu mulher
arranco a viseira da dor
enganosa.
(De: Estrelas no dedo, 1985.)
Afro-brasileiras
Mães, irmãs, esposas
anónimas mulheres guerreiras
força move pensamentos passos
gerações foram às ruas
lutas
sustento
dignidade
sonho melhor
avós, mães, tias
aves Marias
aves marinhas
silêncio e anonimato
Presença
voz de contínuas esperanças
banir pesadelos
da vida do País
(De : In: Cadernos negros 31, 2008.)
Página publicada em setembro de 2020
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