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MIGUEL REALE
(1910-2006)
Jurista, filósofo, poeta, prosador, nasceu em São Bento do Sapucaí, 6 de novembro de 1910 e faleceu em São Paulo, 14 de abril de 2006.
Conhecido como formulador da Teoria Tridimensional do Direito, onde a tríade fato, valor e norma jurídica compõe o conceito de Direito. Autor, entre outros, de Filosofia do Direito e de Lições Preliminares do Direito, obras clássicas do pensamento filosófico-jurídico brasileiro.
Ocupava a cadeira número 14 da Academia Brasileira de Letras desde 16 de janeiro de 1975.
REALE, Miguel. Sonetos da verdade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: INL, 1984. 115 p. (Coleção Poiesis) 14x21 cm. “Em convênio com o Instituto Nacional do Livro / Fundação Nacional Pró-Memória” . “ Miguel Reale “ Ex. bibl. Antonio Miranda
VERDADE E POESIA
Por que este meus versos sao tardios
como sombra amorável do real,
ou resposta aos tremendos desafios
nesta hora da hiena e do chacal?
A inspiração não chega de repente
mas se infiltra sem rumo nos refolhos
do ser, e dele emerge lentmente
e é lágrima boiando à flor dos olhos.
Pode ser testemunho ou ser mensagem
mas nunca é voz perdida no deserto
mesmo que verse sobre o vago e o incerto.
Poesia é verdade e é miragem
surgindo como forma de beleza
alheia à conjetura ou à certeza.
O EU
Abismo em que me perco todo dia
sempre à procura de meu ser disperso,
reflexo do que passa pelo céu
ou espelho exposto a todas as figuras.
Um centro vivo ou então periferia
às vezes emergindo outras imerso
no que é dos outros ou no que é meu,
dando sentido enome às criaturas.
Barco perdido em meio à correnteza
ou bússola marcando os horizontes,
um sair e volver eternamente,
novelo intumescido de incerteza
as c hãs planícies e elevados montes,
virtualidades todas da semente.
À PROCURA
Tanto cuidei das coisas deste mundo
buscando para os outros um caminho
que me sinto perplexo e sem rumo
à espera de uma curva e de um ninho.
Em que pedra encostar minha cabeça
na ilusão do travesseiro fofo?
Feliz seria nunca mais ter pressa
fitando o perto e o longe do horizonte!
Talvez o velejar das tentativas,
buscando em vão um porto, seja o sino
que esperava escutar em meu destino.
mas que me vale a rosa azul dos ventos
nessa aventura pelo mundo afora
se minha sina só a percebo agora?
Poemas extraídos do livro Sonetos da Verdade, 1984.
REALE, Miguel. Vida oculta. São Paulo: Massao Ohno / Stefanowsky Editores, 1990. 76 p. 15,5x22 cm. Capa: Arcangelo Ianelli “Grafismo em azul e cinza”. Ilustrações: A. Maurício Stefanowsky. Col. A.M. (EA)
SERTÕES: VEREDAS
As veredas sem fim destes caminhos
são minhas
irremediavelmente minhas,
mas o que sou me tira liberdade:
o apego às coisas conquistadas
vai-me secando a fonte da aventura,
o bem supremo da juventude.
A mocidade é amor de coisas novas
aceitação da vida sem quietude,
arremesso do dardo sem cuidado
de seu acerto ou sua longitude.
A vida é sempre assim,
quanto mais sertões mais as veredas,
e, quando nos cuidamos realizados,
somos só prisioneiros de nós mesmos.
DIREITO/AVESSO
O arrepio
no contra-pêlo do veludo
e o macio
no avesso;
o verniz negro do caixão mortuário
e a fria palidez do conteúdo;
as lágrimas de atriz tão verdadeiras
como as da mãe que sobre o filho chora
e as do filho com seu olhar travesso;
o relógio que bate indiferente as horas
de triunfo ou de insucesso;
o apito agudo do trem:
"quem parte leva saudades,
quem fica saudades tem",
sempre o mundo imprevisto e contrafeito
contrastes de destinos e de idades,
sem nunca se saber ao certo
qual o direito
qual o avesso.
Página publicada em dezembro de 2008. Ampliada e republicada em fevereiro de 2015
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