MICHEL SLEIMAN
Um livro apresentado por Horácio Costa é para ser levado a sério. Embora nós estejamos acostumados a ver prefácios que são evasivos, escorregadios, dissimuladores... Mas Horacio efetivamente entra no cerne da questão:
“Ínula Niúla” não se remete a nenhuma expressão ou etimologia conhecida; evidentemente, na repetição do fonema “nu” em ambas as palavras, seguido de sonoros “l!s, talvez se pudesse remeter à palavra nulla latina, que dá nulla res — nada de nada, coisa nehuma — e “nulo” — nulidade, anular, anulação.”
Título emblemático, catalizador. Da poesia que não remete a algo específico, embora Horácio acredite que tem a ver com situação vivida pelo autor. Pode ser. Horacio também informa que existem dois núcleos temáticos na obra – “o referente ao universo erótico, e particularmente homo-erótico”. A outra questão se deve ao fato do poeta ser de origem libanesa, ligado à temática de sua origem, mas escrevendo em português. De forma inovadora.
Michel Sleiman
ÍNSULA NIÚLA
São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. 88 p.
capa dura ISBN 978-85-7480-444-6
FLORA MARINHA
a ti que me acolhes em braços de Adão
escrevo-me barca de Noé:
sou o último espécime, olha-me;
sálvia da perpetuação, salva-me;
animal sem par, ajunta-me;
alma zonza, agarra-me;
flor sem copo,
gineceu, androceu, retém-me;
parte da inteireza, recolhe-me;
estou em ti, guarda-me;
deslizo, escapo, quase, cata-me;
esfuma-me no instante, condensa-me
antes que o vendaval levante a água a Nilo e Eufrates
e soporize as bordas com seus braços grandes
que o oceano derreta o meu sal
e o céu me engolfe o talo adâmico
e reste a teu ouvido só a sereia
quimera de vagas
na proa
em mar errático
ANDORINHA
tarda o tempo
mas não tarda o tardo
tarda a aurora
e não tarda o tardo
tardam os anos
tarda e é ébrio
o sonolento vir das manhãs
há o ciclo da romãs e o do grão sem cor
o ciclo das maçãs e o da flor na macieira
o ciclo do trigo e o da tenra haste
entre a hora e o século
tarda a cor e luze
o iminente
inevitável
tarda e existe
signo em rotação
cor e sentido
entreabrem-se
o poeta trava a língua
entre pedra e água
versocriação
violação
é dar nome ao sentido
o perfume das formas
gesto finito
um dia
tudo o mais entorna
Página publicada em dezembro de 2010 |