| Foto: https://infonet.com.br/   MARIA LUCIA DAL FARRA   Nasceu na cidade de  Botucatu (São Paulo) no dia 14 de outubro de 1944.     Maria Lúcia Dal Farra é titular concursada (1992) de  Literatura Portuguesa da Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde foi  Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa (1996). Defendeu Mestrado (1973) e  Doutorado (1979) na USP (onde foi professora) e obteve grau de MS-4 RDIDP  (Livre-Docência) em Literatura Comparada na UNICAMP (1987, onde foi  professora). Fez parte da equipe pioneira de Antonio Candido para a fundação do  Depto de Teoria Literária e do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP  (1975) e foi professora em Berkeley (Universidade da Califórnia, 2002).    Tem Pós-Doutorado pela École Pratique des Hautes Études  de Paris (1981) e pela Universidade de Lisboa (1985). Possui formação musical  (piano e educação musical) pela Faculdade de Música Santa Marcelina de Botucatu  (1964) e tem publicados inúmeros estudos de Literatura Portuguesa, Brasileira e  Comparada (sobre poesia e narrativa), bem como um elenco de obras sobre  Florbela Espanca (dentre os quais o ?Trocando Olhares? é leitura obrigatória  para o Programme du Concours Externes de l´Agrégation às universidades  francesas, 2002) e dirige o Diretório de Pesquisas "Figurações femininas:  Florbela et alii" do CNPq, que agrega 14 pesquisadores. É prêmio Jabuti de  Poesia (2012), Patrona da Cadeira 25 da Academia Botucatuense de Letras.  Recebeu o título de Cidadã Sergipana (2003), a Medalha  de Mérito Cultural da UFS (2013), o Diploma de Reconhecimento da Universidade  de Évora (2016) e foi indicada ao Prêmio Vergílio Ferreira (2017 e 2018).  Integrou, desde julho de 2013 a 30 de julho de 2016, o Comitê de Assessoramento  de Letras e Linguística (CA-LL) do CNPq. Sobre sua obra foram produzidos  textos, estudos, recensões por, dentre outros, Teresa Cabañas, Walnice N.  Galvão, Mariana Ianelli, Claudio Willer, Ana Luísa Amaral, Valdir G.Paixão,  José João Cury, Fernando Paixão, A. Medina Rodrigues, Rita M.A.Maia, Carlos  Graieb, Álvaro Alves de Faria, Iara Vieira, António Carlos Viana, Álvaro  Cardoso Gomes, Concepción Delgado Corral,Silvina Lopes Rodrigues; orelhas por  José Miguel Wisnik, Haquira Osakabe, Vilma Arêas, Inês Pedrosa; prefácios de  Alfredo Bosi e Inês Pedrosa. Sobre sua obra poética há trabalhos de Conclusão  de Curso, de Mestrado e de Doutorado, tais como os de Kalina Naro Guimarães  (UFRN), de Ivo Falcão da Silva (UFBA), de Joseana L. Fonseca (UFS), de, Neilisa  Moreira Marin (Un.Passo Fundo, 2018).  Sua correspondência com Vergílio  Ferreira (35 peças) e em torno de Florbela Espanca (30 peças) foram doadas à  Universidade de Évora, enquanto sua correspondência com Herberto Helder (52  peças) foi doada à Universidade da Madeira. Teve a sua correspondência com  Vergílio Ferreira publicada pela Un. de Évora em maio de 2019, pela editora  Âncora de Lisboa (est. e posfácio dos Profs. Drs. Elisa Esteves e João Tiago  Lima, e apresentação de Ana Luísa Vilela). Foi homenageada em 2019 pelas  Janelas Literárias do SESC de Sergipe.Fonte da biografia : https://www.escavador.com/
       MAÇÃ   A maçã na mesa: pomo de discórdia. Abuso da minha inteligência
 porque quero conhecê-la com dentes,
 escavá-la até a longínqua estrela.
 Saliva a saliva
 procurar-lhe nomes,
 no afunilado umbigo aprofundar a língua.   A presença hierática pede respeitomas profano-a:
 tenho de escolher entre ser
 boa ou má,
 quebrar a dormência — que não para bela adormecida fui nascida!
   Ouso, caio, começo de novo o mundo, exilo da fruta o sabor do amor celeste — sou (por fim) mortal. Já agora quero a brilhante, a vermelha, a do  poente, e nem Ládon (o dragão) ma impede, neste jardim de Efemérides - se não é do pomo d'ouro que me socorro!   Debaixo da macieira (ah dourada mediocridade!) a sombra saboreio da vida ufana. Não aguardo, com Arthur, que os cavaleiros me livrem do jugo estranho, e nem vou (a pé, com Merlim) aprender mágica no pomar. Quero conhecer o mal e suas ramas!         SONETO  ENCLAUSURADO   Se deu-me Amor a dor e tal sufoco, do fino cravo a história e a vida breve,
 secou a flor e a mim mantém-me em febre
 sem fim que me sustenha por suposto.
   Detém-me o passo, obscurece o rostodesta que teve (em tempos) olhar leve!
 De tudo que irradia a alma despede
 pairando na vigília do sol posto.
   0 que me espreita? Só ranço e desgosto! Fechada nesta cela que a luz despe,
 a voz confusa, o sentimento tonto,
   fixo a memória que não desvanece, percorro o dom inebriado e solto
 que (mesmo morto) ainda não falece.
     (De Livro de auras, 1994)        CONFISSÕES DE UM RABANETE
 
 Embora  me vista com a cor dos bispos e seja  crucífero - nem  por isso sou católico. Mais  para Confúcio fui nascido: cabeça  significativa, longas  barbas finas de meditação budista, logo  desmentida pelo  efémero do meu ciclo, por  certo oco que me habita. Não  desmereço (entretanto) a ciência que expando: essa  carência de miolos teu cérebro socorre - ritmo  metabolismos heterodoxias  pratico.   Do  oriente que em mim trago (oh inconsciente profundo!)
 guardo robusto mandarim
 mas (circunciso)
 é na tradição judia que me filio.
   Picante, fui  aperitivo no Antigo Egito (como ainda sou de grilos)
 e assim acalmo os deuses.
 Que disso diga Apolo,
 o luminoso,
 de  quem o equilíbrio imito e a  clássica simetria, muito  embora na entranhada terra Eros (com  sua desmesura) me tente.
         VIDA CAVA Velho sofá de taquara da  casa da Curuzu,em cujas varas circula antiga emoção!
 Lugar de aguardas o obscuro,
 de acolhê-lo
 nos túneis e nas veias.
 Passeia nos seus ocos de  bambu(trafega em mim ainda)
 a vida subterrânea,
 a da saia de godê —
 vincada de afagos do namoro vigiado,
 engomada de pudor.
 
 Ah que saudade desse assento
 onde conheci
 o meu primeiro prazer de baixo!
                  (De Livro de auras)     A MANGA Ela está sobre a mesanua
 e fechada em si
 como uma urna.
 O elegante perfil convoca outras formas
 para torna-la única:
 pera, pêssego, abricó – o coração, afinal,
 de onde irrigam a candura
 e o aceno para afaga-la com duas mãos.
 De modo que a boca quase  treme(hesitante entre beijá-la e mordê-la)
 quando dela se achega
 sem saber se se entrega ao domínio do cheiro
 ou à volúpia de lambê-la
 mesmo antes de (com unhas)
 fender-lhe a pele vermelho-verde.
 
 Ah, sulcar a carne macia com o arado dos dentes
 deixando que neles se enrosquem os cabelos
 que a fruta
 (aflita)
 não pode comer diante do torvelhinho dos sentidos
 do cataclismo que o desejo enseja
 no afã de conhecer-lhe o rosto!
 
 Sôfrego, salivo abocanhando a polpa
 (esse manancial de sucos que me lambuza,,
 espirra, goteja e baba)
 que chupo exaurindo a fonte dos deleites
 dessa mulher que
 por fim consentiu
 (pudica e fogosa)
 de a mim se entregar.
                 (Do Livro de Possuídos)     Página publicada em  janeiro de 2020. Ampliada em julho de 2020 
 |