MARIA DE LOURDES FERREIRA ALVES
Nasceu em São Antonio da Posse, SP, em 1953. Vive em São Paulo desde 1970. Velho é o Espelho é o seu primeiro livro. Celebrado pelo editor da Ateliê, e por Marcelino Freire, que a conduziu ao cenário dos éditos. Maria de Lourdes participou de uma das oficinas literárias, em que revelou o seu talento. Ele teria apenas a organizar o material, dando os últimos retoques numa obra inédita que, segundo ele, a autora trouxera “de casa, a lição desenhada.”
Falando de velhas caquéticas em versos de revelação do “jeito sonoro de mostrar como os anos vão voando”.
Vejamos:
peitos velhos
em soutiens delirantes
de rendas de grife
mãos de ameixa desidratada
cheias de anéis seculares
e veias salientes
que contornam
peles rugosas sobre a artrose
castigo do tempo
De
Maria de Lourdes Ferreira Alves
VELHO É O ESPELHO
São Paulo: Ateliê Editorial, 2007
ISBN 978-85-7480-372-2
vítimas do narcisismo senil
têm como prêmio uma doença
extravagante
que as alimenta de metamorfoses
salvadoras
*
o batom tenta
permanecer dentro dos contornos
de um lábio que já foi acolchoado
de parafernálias celulares
movida a controle remoto
um braço mecânico
que funciona há meio século
programado para delinear linhas
que se suicidaram
empoar as manchas rugosas
que dançam em dobras
de um plissê esquecido do colágeno
e que teima em arremedar
um sorriso
*
com as duas mãos espalmadas
para o espelho
puxou para trás, ao mesmo tempo,
lados direito e esquerdo
da mesma máscara
o espelho mostrou-lhe, então
uma cútis lisa
com um sorriso permanente de passagem
próximo da juventude subutilizada
lembrou-se de todos os seus amores loucos
imagens parcialmente fundidas
na memória enrigecida
por fim, os braços cansaram-se
o tecido, imediatamente,
reconquistou o lugar que lhe era de direito
deixou que o real se incorporasse
olhou para o espelho muda
não repetiria aquele ato ilusório, jurou
a fotografia do agora
era, também, parte sua
uma mascara perpétua de metamorfoses
sempre a mercê do tempo
fixa, só a moldura
*
de olhos fechados
ando sobre uma linha
divisória
entre um passado imutável
e um futuro limitado
no fio da lâmina
venço a paralisia do agora
passadas largas
que o tempo é diminuto
como uma chama ao vento
*
o corpo gasto
em as suas agruras
mas para o amor
tem que se estar disposta
para abocanhar todas as aventuras
mesmo que vividas na névoa
de uma epifania
*
(...)
o tempo é de uma impessoalidade
calada e reservada
não há recuos no seu fluxo
ele está concentrado
como toda a sua fúria
no agora
Página publicada em janeiro de 2010
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