MARCO AQUEIVA
Marco Aqueiva é nome literário de Marco Antonio Queiroz Silva. Bacharelado e Licenciatura em Letras pela Universidade de São Paulo (1993 e 1995) e Mestrado em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (2006), tendo apresentado dissertação em torno da representação do artista no órfico português Mário de Sá-Carneiro. Atualmente exerce o cargo de Coordenador do Curso de Letras da Faculdade de Ciências e Letras de Bragança Paulista (FCLBP/FESB), onde ainda vem dedicando-se ao ensino de disciplinas relacionadas à literatura: Literatura Portuguesa e Teoria da Literatura. Ministra também Literatura Brasileira abordando notadamente poesia e prosa brasileira (séculos XIX e XX). Ademais, como poeta, assinando Marco Aqueiva faz parte presentemente da Diretoria da União Brasileira de Escritores, gestão 2008-2010. Desenvolve, ainda na web, o Projeto Valise 2008 no endereço http://aqueiva.wordpress.com/
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AQUEIVA, Marco. Germes entre dias brancos. São Paulo: Editora Patuá, 2016. 97 p. ilus. ISBN 978-85-8297-265-6 Editor Eduardo Lacerda. Ilustração,, projeto gráfico e diagramação: Leonardo Mathias. “Marco Aqueiva” Ex. bibl. Antonio Miranda
Da metáfora ao germe
O que você quer?
Parafuso em chamas
O que você vê?
Prego em revolução
O que você sente?
Germe que mal se vê
sem achar sua outra forma
***
Beiras e asas junto ao Bar Montecarlo
ii
Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Os sonhos já nascem nos limites.
Porque fazemos coisas.
Sei que talvez devêssemos deixar
os arredores darem sinais
crescerem com suas sirenas
ainda que em silêncio os telhados
abstratos de um mundo
que bem pouco quer ouvir
o corpo dentro do tempo
Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Dorme o tempo
daqueles que estão presentes
entre reflexos e ecos
colhendo o cercado das fomes
ideias que subsistem fora de nós
um sentido que mal se poderia
ver e ouvir dentro do tempo
Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Os castelos estão suspensos
entre a cerração e o medo
a chuva espessa e a história
vistos de frente na cerração espessa
vistos dos fundos no pesadelo
adormecidos em algum lugar
amanhecendo em algum tempo
Por que fazemos coisas?
Porque fazemos.
Para poder vê-los os castelos contraluz
seguirmos seus rastros imprevistos
Sempre prontos a se refazerem
: só assim prontos para habitar
***
risco da poesia: a poesia por algum risco
a Pipol
v
O risco da poesia
é iniciar o poema
com a vidraça cerrada
e as mãos ávidas de agressão
para mais de uma pedra
contra si mesmo
contra o outro
contra o poema
AQUEIVA, Marco. O azul versus o cinza. O cinza versus o azul. São Paulo: Editora Patuá, 2012. 136 p. 15,5x23 cm. ISBN 978-85-64308-38-1 Editores: Aline Rocha e Eduardo Lacerda. Ilustrações internas: Nestor Lampros. Projeto gráfico e ilustração da capa: Leonardo Mathias – flickr.com/leonardomathias. Como acontece em edições canadense, este livro tem duas capas, uma com cada um dos títulos da obra e com textos no miolo começando da capa e da contra-capa até o centro. Col. A.M. (EA)
PAISAGEM PELA ESCADA
a Annibal Augusto Gama
Subia os degraus da escada
sem ver o que estava à frente
Subia falando sozinho
sem ver que ia acompanhado
Subia grudado à parede
por ver a infinita altura
Subia poeticamente homem
sem ver o escarro no asfalto
Ao fim desta escadaria
agarrado ao corrimão
seu lento olho arredondou-se
Mirante aos olhos abertos
a Vida entre céu e mar
Versos estrondeando telas
telas embuçando versos
Toda parte cavaletes
todo lado papéis penas
Mal contida a harmonia
razia de poetas e pintores
Pincéis na mão contra os versos
fios de versos contra as tintas
No alto da filáucia, a máquina
do mundo há muito o esperava
Mesa posta só para ele
pães vinhos sonhos quimeras
Banquete aos olhos oferto
toda a vida a descoberto
“Que me adianta ver além
do horto, se este cisco no olho”
E vazando incredulidade
à Tela e ao Texto imposto
a vista fez-se em negativas
Muros no Alto de Pinheiros
Bela Vista e saturados
olhos sobre o fim do mundo
"Não sou o primeiro nem o último
a negar-se a ver o Todo"
Ao retirar do olho o cisco
voejaram letras borrões
Pergaminhos quase afônicos
pinturas precipitando-se
toda paisagem pela escada
paredes e altura abaixo
De:
NESTE EMBRULHO DE NÓS
São Paulo: Scortecci, 2005
“À página 16 deste livro, o poeta pergunta se haverá um temporal imposto ao sol da escrita. O poema em questão parecerá, tal como outros, obscuro. Porque nesta poesia culta, e com frequência difícil, há zonas de sombra. Não porque o poeta queira fazer-se hermético. Sua visão do mundo, expressa com riqueza de imagens em léxico inusitado, é que turva parcialmente o entendimento do leitor. (...) No livro há nós, becos, farpas, cicatrizes. Há coisas soterradas, há asfixias, uma urbe “sem lá” (...)” Izacyl Guimarães Ferreira
ECO AOS BECOS SEM ECO
I
Sonhos meus em círculos de águas e terras infindas —
voz desorientada, lugar sem rumor, desafio entre beiras
de rigor e guincho, sílabas que me confrangem em falsas e vivas
etimologias e regras, a boca tão cheia de chios e guizos sem
[origem,
dobrados de roque em samba, versos dobados na escala de dó ao
[indizível.
Com o baque destas pedras atiradas contra o lasso centro
[inacessível
— e o próprio poético arremessado ao impossível.
ÍGNEO RETRATO
Sonho crescendo antes de pleno à vista
: ígneo engenho modelando ao fogo
líquida resistência da ânsia à escrita —
mãos aos ferros de um barro inda sem voz.
Quanto de vã suficiência em voz!
Febre-limite queima-me esta escrita.
Tanto a perder no débil sonho à vista...
pele escamando ao fogo — ígneo rosto
ígneo retrato de um sonho sem rosto!
ALMAS MORTAS
Poeta no cálculo de sua obra
se edipimático à esfinge toma
jocastros seios, eles mesmos primários
matermásticos e direitos
quanto
não se esfolava o incesto então semântico?
Sei que outro agora está cheio de sua obra
como os americanos entre músculos
de iraquianos franzinos como sombras
de suas obras que fedem como o imundo
bastão sobre o qual corpos não se apoiam
Americanos cheios de suas obras
tão narcisos que a esfinge mal devoram
iraquianos franzinos bem pressentem
entre estampidos gritos cheios de vespas
convertendo um só verso decassílabo
no fogo que o apanha veloz zunindo
no rosto que sustenta corpo e espanto
no espanto de unha e carnes entranhando
terror
rojam-se à merda os mortos vivos
TOMBER DANS LE LAC
Uma grande noite
: um sortilégio em roda?
Que me há além de mim rente
aqui dentro destas paredes?
Sei-me visto pelo que não vejo
Presas as entranhas de véspera
: ó chão pênsil neste momento
fios e teia, fímbria espelhos
Meus olhos presos ao esfíngico
tentacular de tuas aparições — brilho
brilho sobre brilho, pirilampeante, tua aura
no corpo da grande noite pinça-me a alma.
— a aranha onde eu, um sol que não se deita
Página publicada em fevereiro de 2009
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