Manoel Carlos Gonçalves de Almeida, mais conhecido apenas como Manoel Carlos ou simplesmente Maneco (São Paulo, 14 de março de 1933) é um escritor e autor de telenovelas brasileiro.
Obra literária: 1958 - Fernando Pessoa: uma luz sobre vários poetas
1982 - Bicho alado
2001 - Presença de Anita - roteiro da minissérie
2005 - Off: uma história de teatro
2006 - A arte de reviver
MANOEL CARLOS /GONÇALVES DE ALMEIDA. Bicho alado. São Paulo: Círculo de Livro, 1982. 172 p.. 13x21 cm. Capa dura. Obs. O poeta assina apenas como "Manoel Carlos". Ex. bibl. Antonio Miranda
Terceiro
Perdeu-se a mira
à oscilação do ombro.
Refaz a posição em si contrária
que de avós não se herdou melhor conquista.
Consegue o encanto
a amizade imprevista e com a coragem
o enigmático solilóquio do teatro
a planta sem resíduo de ciência.
Sobre o mesmo contorno
a linha que se atreve:
Repara:
o espanto da hora no ombro oscilante.
Natureza-morta
O vaso sobre a mesa.
Quantas limitações em seu contorno.
No entanto livre foi e já conteve
a experiência das mão em sua argila.
Livre foi sob pés — livres os pés,
água, barro, travessia. Dura matéria
sem profecia do seu frágil destino.
Mas como recebe-lo em meu convívio
se hoje é vaso e repousa sobre a mesa,
made in Japan selando seus desígnios ?
Melhor fora encontrá-lo quando, gesso,
pretendeu ser adorno seu gerente,
pois ensinado teria — mais que forma —
a aspiração à forma. E isto é tudo.
Primeiro
O mais foi anjo ou essência de sê-lo
ou vago esbarro entre cal e vapor.
Tato de espuma e caldo em seu desvelo,
retrato de uma nuvem em seu furor.
O mais, antes de mim, atado ao pelo
da emoção. Caça ao anjo viajor
em seu cardume. Segue em seu andor
dentro de mim: anúncio, placa, selo.
Peixe mais do que pássaro. Içado e morto.
Estilizado em signo de março,
gerado de um perfil amargo e torto.
Desordem neste trauma em que me esgarço.
Vício de anjo, solidão de morto,
navio que já em si ancora um porto.
Assim que todos se levantam
Após a ceia,
assim que os homens saiam para o terraço
e acendam seus cigarros,
contando mentiras de amor;
assim que as mulheres subam ao quarto da mais nova
e examinem com sensualidade e um pouco de rancor,
lençóis de cambraia e toalhas felpudas com monograma,
e roupas de baixo
e mantôs para o frio da Argentina
e outras tantas coisas que compõem um enxoval de noiva;
assim que as crianças esfreguem os olhos e peçam a bênção
e os velhos se inclinem um pouco para a frente;
assim que os criados se retirem
e iniciem a vigília de cristais e louças;
assim que os cães sosseguem na varanda
e se ouça um vizinho dando adeus a um amigo
e um guarda, do outro lado, contemple a casa iluminada;
assim que tudo isso aconteça,
do outro lado da sala erga um pouco a cabeça
e olhe para mim,
intensamente para mim.
Só esse olhar de amor impossível vai ficar
desta grande ilusão de ceia familiar,
assim que todos se levantem.
Viver
A menor atenção é o melhor neste jogo,
jogo de desarmar, ao contrário dos outros.
Não há como fraudar, se regras não existem,
e a essência de ganhar reside no malogro.
O tabuleiro é cego, as pedras irreais,
e o parceiro invisível só de lances fatais.
Página publicada em janeiro de 2018
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