LUIZA FRANCO MOREIRA
Luiza Franco Moreira, professora de Literatura Comparada e presidente do departamento, possui um doutorado em literatura comparada da Universidade Cornell (1992) e um mestrado em teoria literária com distinção e louvor da Universidade de São Paulo, no Brasil (1983). Recebeu uma licenciatura em filosofia da Universidade de São Paulo, onde estudou literatura literária portuguesa e brasileira como graduação. Moreira juntou-se à faculdade de literatura comparada em Binghamton como professor associado em 2001; anteriormente ocupou o cargo de Professor Assistente de Literatura Portuguesa e Brasileira na UC Berkeley (1992-1995) e Princeton (1995-2001). Ela ocupou cargos de visita na Universidade de São Paulo e Cornell. Fonte: www.binghamton.edu
Extraído de
POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia – Ano 2 Número 4 – Rio de Janeiro - Agosto 1994 - Fundação Biblioteca Nacional. ISSN 0104-0626 Ex. bibl. Antonio Miranda
Íntegra
Sim, já fiz bobagem:
cantei o namorado de minha amiga,
seduzi homens
que não sabiam trepar, ou nem
se interessavam, saco;
desenfreada, me maltratei
porque tinha bebido ou sempre
que o fumo me assanhava pavores;
manipulei alguns, também
fiz vários infelizes.
Mas o imperdoável
é que isso não me diverte.
Promíscua, e petrarquista
Daquele moço com olhos azuis
me ficou
certo prazer em espiar palavras
arrevezadas
rolarem na boca,
esse que tinha olhos incertos
deixou minh'alma
de repente
com mania de píncaros,
o teu olhinho estrábico
e rápido
nem lembro se cruel
sustenta a madrugada mais insone,
mesmo os bem mansos
crianças
com voz de choro e olho comprido
enfeitaram meu corpo e meu sorriso;
de dentro dessa tua barba imensa
(eu tão distraída)
olhos bem pouco nítidos
formaram
pausa inesperada nos meus dias.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 13. Número 20. Março 2005. Revista trimestral de poesia. Editor Luciano Trigo. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Biblioteca Nacional, 2005. Ilus. Ex. bibl. Antonio Miranda
Mortalidade
Quero que você se lembre de mim pouco.
Toda memória fica para mim.
As coisas que nós usávamos
nos anos em que você crescia
estão permeadas
do que vivemos juntas.
Não bastam. Bastam?
Que ímpeto no sorriso, e que confiança!
A vida como um pêssego.
Na foto a fruta é quase do tamanho
[da carinha
e o suco te escorre no queixo e na roupa.
Dias que ainda respiro.
Na calçada, que antes percorria com você,
reencontro
o mesmo olhar da infância
e os entusiasmos.
Bastará, mas não basta.
Sábado com papai:
hot dog e chips; a calma da livraria,
em que a imaginação se desdobrava.
[Rotina encantada.
Agora há um lago onde havia um
[estacionamento,
e um estacionamento onde havia mato
[e jardins.
Esses nossos anos vão me servir de alimento
pela vida afora
Que para você também perdure
um encanto.
A tua infância me enriquece,
menos porém do que o teu futuro —
[onde não estou.
.
INIMIGO RUMOR. REVISTA DE POESIA, NO. 10 – Edição Especial : 10 anos de Inimigo Rumor. projeto gráfico Mariana Bernd. São Paulo: COSAC NAIF; Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora Ltda. ISSN 1415-9798-00028 Ex. bibl. Antonio Miranda
CONTÁGIO
Vários dias em carne viva... lindos, porém.
Luz, vento, o coração alheio,
tudo me atravessa
e se estilhaça
até que transpareço.
De onde menos se espera, pelas costas,
chega o deserto
sem freio e sem escrúpulos.
(No outro lado deste rio, ou no outro lado da vida?)
e circula no ar gasto, que permeia o mundo
e nos satura
a pele e o corpo.
Respiramos pelo avesso
este ar coagulado, que deixa a vida lenta
e amortece
pulmão e cérebro
por dentro.
Talvez a alma lá sobreviva. Ao menos se esconde.
(21-3-2007)
Página publicada em dezembro de 2017; ampliada em julho de 2018; Página ampliada em outubro de 2020
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