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LOURDES FONSECA RICARDO

 

 

A poesia de Lourdes Fonseca Ricardo em Labirinto do Pasmo constitui a tentativa de construir uma linguagem transcendente ao universo conceitual, de forma a opor-se à prosa. Ora, quem diz "prosa" diz "prosaico" isto é, atem-se aos limites mesmo do discursivo, no interior do qual não há oxigénio para o verso:   sob pena de enlear-me numa cilada tautológica, eu diria que a poesia é mesmo a antiprosa. Assim, o limite da poesia é alguma coisa de lábil, de impreciso, de vago, pois avança na medida mesmo em que expele o prosaico, em que o impele a seu território próprio, instaurando a linguagem nos píncaros onde, livre respira, liberta enfim das leis do discurso: "O renque de palmeiras / esmaga as ostras duras. / As ostras também sangram." Em versos como estes o real é captado pelo avesso, as imbricações aparentes são lidas ao contrário, a linearidade lógica cede lugar a uma justaposição de palavras sintaticamente ortodoxa, mas violentadora. No mundo das aparências nada há de comum entre palmeiras e ostras, da mesma forma que estas são absolutamente exangues. No poema de Lourdes Fonseca Ricardo aquelas ligações emergem não porque o universo seja poético, mas porque existe uma maneira poética de exprimi-lo, isto é, existe a linguagem poética, formada por metáforas que compõem o mundo aparentemente fantástico do poeta.  


                                    JOSÉ GERALDO NOGUEIRA MOUTINHO

 

 

RICARDO, Lourdes FonsecaLabirinto do pasmo.  Poemas.  São Paulo: João Scortecci Editora, 1992.  103 p.   14x20,5 cm.   “ Lourdes Fonseca Ricardo “ Ex. bibl. Antonio Miranda. 

 

SUBCONVERSA (Com o Louva-Deus)

 

Boca selada

fala ao telefone.

Subconversa.

A mim não me diz nada;

anota o que não vê,

registra o que não digo.

 

Um renque de palmeiras

esmaga as ostras duras.

As ostras também sangram.

 

Teias serão tecidas.

Culpa do — eu não fiz,

reapertada.

 

Eles dizem que é minha.

Sempre serei — não eu.

Serei eu-menos.

 

Quarto de tom,

respiro em solilóquio.

Ponto surdo do teatro de bolso,

um louva-deus anota.

 

Âncora presa ao ódio

dos condenados.

                 

 

SUPERFÍCIE DAS IMAGENS

 

"Se não há respostas,

não há perguntas."

 

Lewis Carroll

 

Um tordo olha-me ambíguo.

Percebo pelo hiato

que me acende a tristeza.

 

Confunde os meus retratos.

Sorri jovem — o antigo

quanto mais velho o novo.

 

Ouse pousar em mim

loucura de Narciso;

arrisque riso adunco,

vou declarar perjura

essa escara do mundo.

 

Lisonja no vão d'água,

incerteza de tudo.

 

 

 

BUFO DE PEDRAS

 

Não encara altitudes

tua linguagem de sarro.

Charco afoga as palavras

no barro.

 

Voz raza, sem hosana,

cantochão anafado,

jogas bem alto a lama

que engoles.

 

Cuidado berimbau,

põe asas em teu solo.

Vais perder para a gaita

de foles.

 

Malhas que o império tece,

pobre sapo de briga.

Chão que é teu não levita,

ou cresce.

 

Guarda a pedra e o arco.

Estrela não é tua.

Vê-la — é tudo o que podes.

                    Do charco.

 

 

 

Página publicada em fevereiro de 2015


 

 

 
 
 
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