LÓLIO L. DE OLIVEIRA
Lólio Lourenço de Oliveira, sociólogo, escritor, poeta e tradutor. O currículo de Lólio L. de Oliveira passa pela tradução (do inglês, do francês e do espanhol), profissão que abraçou de vez após aposentar-se. Antes, Lólio trabalhou na área de seleção e orientação profissional, em instituições como a Fundação Carlos Chagas. Vive em Alphaville, São Paulo.
OLIVEIRA, Lólio L. de. Rescaldo. Poemas. São Paulo: 2015. 75 p. Capa e ilustrações: Arthur Kohl. Projeto gráfico: Marcelo Villela Gusmão. 16x23 cm. “ Lólio L. de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
III - OS MALES DO HOMEM SÃO
Cogumelos
salmonela
perdição em noite fria
já não posso mais com ela
miocárdio
economia
sempre pra trás
espinhela
golpe de navalha
antraz
a morte
(quando se sente
que a vida passou
tão depressa)
compressa
cabeça quente.
(1989)
III - PORTA-CHAPÉUS
O espelho em que me olho agora
encrava no contorno de marchetaria
seu bisotado multicolorido.
Acima dele, o contorno do topo
em delicada curva sinusóide
marca de elegância sua utilidade.
De metal lavrado, os cabides seguram,
deitados pontos de interrogação,
chapéus e capas, paletós, bonés.
Na base, escorada em quatro pés,
dois cestos fixos de madeira
de base em conchas de metal
dão guarida a bengalas e umbrelas.
IV-CRISTALEIRA
Atrás de portas de cristal lavrado,
prateleiras de cristal recolhem
cálices, taças, copos, licoreiras,
e vasos, pratos, jarras, compoteiras.
que refratam, cintilante cristal,
cores da luz do sol que entra da janela.
Coisas para ver-se, não para mexer,
sem chaves nas portas trancadas,
mãos para trás, apenas curioso olhar.
Coisas de rara vez, não do dia-a-dia,
só para o recatado luxo do licor
servido com biscoitos e confeitos finos
aos que raro vêm, com cerimônia.
VI-BAÚ
A tampa escura e recurva de couro denso
é como um lombo de hipopótamo
repousando imóvel no canto em penumbra.
Traves de reforço ao longo de seu corpo
contêm a força de expansão do interior
de caverna ao levantar-se a tampa.
A fechadura é de um desenho rigoroso,
elaborado em tomo da ténue frincha
em que a lingueta se trava.
Estreitas alças laterais de couro
simulam que se pode erguê-lo facilmente
num apenas simples gesto de mãos finas.
Porém, não é assim: ele é um móvel imóvel.
De
FÁBRICA DE TAMARAS
1953
I
Daqui eu posso ver a imensidão.
Sem rupturas, sem contornos bruscos,
vejo o pleno ondular das dunas,
mornas e doces, desde o horizonte.
A deserção dos homens me alivia
(as mesmas caravanas são miragens que passam
e a brisa, em pouco tempo, cobre o rastro que fia).
Vivo em mim: o resto, apenas conheço.
A três vidas daqui, um oásis floresce,
poucas vezes anseio por vivê-lo:
são tão vagos e múltiplos e doloridos
os caminhos que o atingem, permaneço.
Aqui, ao menos, estes telhados foscos
sombreiam sobre as dunas meu esquecimento.
E à noite, no silêncio da sombra que me abarca,
manufaturo a natureza em meu degredo.
POEMAS AVULSOS
I
O dia em que renascer
verás que diferente!
Não mais mel poluído,
negreiro sono,
indiferente rosa,
repicar plangente!
Serei o mesmo morto súbito,
alteres de pluma, solidão sensata.
E nunca te esquecerás
quando me vires em ginetes retos
quebrando espadas loucas em moinhos!
II
Nativo,
no arcar de espáduas
e no romper de tambores.
O silêncio conta o teu lento viver
de angústias sóbrias e ilusões sombrias.
Fábrica de avanços impetuosos
com arcar de espáduas,
ilustração discreta
do lento morrer sereno
no romper de tambores.
Nativo,
e as flores mortas.
III
Quando é noite, tomo-te nos braços
e te conduzo à brisa
pelo caminho tosco, até o lago.
O silêncio ressoa.
Sobre as águas mal fremidas
contemplo-te em efígie:
teu corpo é uno e fértil,
a dor da ausência súbita te fere.
Fluída,
reconduzes o talão e a cruz,
em esculturas submersas.
Oscilas em ritmo indeciso.
Teus olhos amam sempre, entre as mãos
que voluteiam com murmúrios.
Pouco a pouco, na luz escassa, tudo se difana.
Sós, na penumbra,
sobre as águas mal fremidas,
teus gestos são aves lentas e sombrias.
De
Lólio L. de Oliveira
Exumação. Poemas.
Capa e ilustrações Artur Kohl.
São Paulo: Cortez-Pau Brasil Editores, 1981, 87 p. ilus.
PAISAGEM
O céu sem matizes
paira sobre o campo
cultivado em retângulos.
O sol cai
em traços sólidos
nas parábolas das colinas.
As emoções são rígidas.
O cafezal simula
um horizonte espesso
nas curvas equilibradas
das encostas.
Uma poesia-sempre brota nítida.
E da estrada de ferro
de trilhos paralelos
eu estimo o bucólico.
OLIVEIRA, Lolio L. de. Poemas. São Paulo: 1950. 39 p. Impresso por João Bentivegna (SP). “ Lólio L. de Oliveira “ Ex. bibl. Antonio Miranda
PEQUENA BUSCA
Tento surpreender-me intacto
(a inverossimilhança me apavora)
mas há sobretintas carregadas
de cores quentes em plásticas sufis
Poderia me esquivar?
II
Modelo de mim mesmo
alto impávido leal
surjo sobre as colunatas
contra o fundo azul.
Página publicada em agosto de 2009; ampliada e republicada em fev. 2011. Ampliada e republicada em dezembro 2014; ampliada e republicada em agosto de 2015.
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