JORGE DA CUNHA LIMA
Jorge da Cunha Lima, 73, jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais), e vice-presidente do Itaú Cultural.
LIMA, Jorge da Cunha. Mão de obra. São Paulo: 1968. Capa de Danilo Péres, sobre um quadro de Tereza Simões Correa. Impresso na Gráfica Emir, SP. Capa e sobrecapa. (EA)
m-urro
E se te vejo contornado
pelo muro, um murro
prevejo ao derrubá-lo,
um urro universal,
mais que berro
cravejar a rua do teu gesto.
Não vejo amenizar-se
solidão no teu contexto
de bípede, com honra,
A rua solto.
Vejo-te o livre,
como dorso,
que se aguenta
por estar de pé
e não de andar
apenas.
O altivo vertical
que sustenta
n sombra
do teu ser
no hino limo
rude dessa rua.
o encontro
O primeiro encontro
foram tijolos abertos
com palavras pedras.
É belo um livro
como um tijolo
limpo — é triste
um livro lido,
um muro pronto.
Um livro lido
é um amigo no cais,
que nos dá o percurso
e nos deixa só,
do encontro.
salmo III
do intróito
Entrei no altar de Deus,
ao Deus que é a minha salvação,
mas Ele não —
ficou no átrio
esperando os outros convidados.
E lá se vão nessa lasciva espera
anos mais longos que o da esperança
em que vivem os que não entraram.
Entrei nesse altar
sem porta de emergência.
Entrei nesse avião
sem rota,
Nesse motor sem pane,
nesse voo sem temor,
e nesse avião,
nesse motor
e nessa rota — estou.
Entrei por um bem grande amor
que, somados, todos os outros
não se comparam.
Entrei, por ter trocado,
em tempos de escolha,
as águas crespas do mar
pelo remanso da fonte.
Entrei, a bem dizer, por entrar.
E nesse altar, quase rota,
só me resta esperar a morte.
São Paulo
11 de janeiro de 1960
salmo VII
da amizade
Que flagelo foi este. Senhor, que inventaste,
em tempos de crenças desmedidas, e plantaste
no impulso do ardor adolescente,
deixando-lhe mais que uma dor, sua semente?
Nesse bem se desmerecem outros bens, e gastos
não se alentam ao voo mais completo dos rastos
que o amor pretende ao tempo de madureza,
e que um dia poderá vir, mas sem nos dar certeza.
Porque então o inventaste, inventor dos astros,
e na alma indefesa, como no azul do céu, deixaste
cravado o rumo do símbolo ardente
com que as primeiras madrugadas se convertem
de orvalho em nuvens tão pesadas, que a haste
do céu não tem a força de ampará-la, como a flor,
eternamente,
São Paulo
11 de janeiro de 1961
Página publicada em fevereiro de 2013.
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