POESIA NEGRA – NEGRO NA POESIA
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Fonte: www.sescsp.org.br
ITAMAR ASSUMPÇÃO
Francisco José Itamar de Assumpção (Tietê, 13 de setembro de 1949 — São Paulo, 12 de junho de 2003) foi um compositor, cantor, instrumentista, arranjador e produtor musical brasileiro, que se destacou na cena independente e alternativa de São Paulo nos anos 1980 e 1990.
Fez parte da chamada Vanguarda Paulista, ao lado de Arrigo Barnabé, Grupo Rumo, Premê (Premeditando o Breque) e outros. Sua obra era tida como difícil por muitos críticos, o que lhe valeu a alcunha de "artista maldito", a qual detestava. "Eu sou artista popular!", bradava indignado[carece de fontes?].
Entre suas canções mais conhecidas estão Fico Louco, Parece que bebe, Beijo na Boca, Sutil, Milágrimas, Vida de Artista e Dor Elegante.
NEGO DITO
benedito jaó dos santos silva beleléu,
vulgo nego dito, nego dito cascavé
eu me invoco, eu brigo
eu faço, eu aconteço, e boto pra correr
eu mato a cobra e mostro o pau
pra provar pra quem quiser ver e comprovar
tenho sangue quente,
não uso pente, meu cabelo é ruim
fui nascido em Tietê
pra provar pra quem quiser ver e comprovar
não gosto de gente,
nem transo parente, eu fui parido assim
apaguei um no paraná (pá, pá, pá, pá)
quando to de lua
me mando pra rua pra poder arrumar
destranco a porta a pontapé
se to tiririca,
tomo umas e outras pra baratinar
arranco o rabo do satã
pra provar pra quem quiser ver e comprovar
se chamá polícia,
eu viro onça, eu quero matar
a boca espuma de ódio
pra provar pra quem quiser ver e comprovar
eu vou cortar tua cara (sabe com quê?)
vou retalhá-la com navalha.
Extraído da ANTOLOGIA DA POESIA NEGRA BRASILERIA. – O NEGRO EM VERSOS/ organização e apresentação de Luiz Carlos dos Santos. São Paulo: Moderna, 2005.
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PENSO LOGO SINTO
Eu penso logo eu vivo logo durmo eu durmo logo sonho
Eu sonho logo acordo acordo logo penso eu penso logo vivo
Viver é risco preciso verbo transitivo estranho
Os obuses são obuses são obuses são medonhos
Viver no país de alice só em livro só em sonho
Pois os mísseis são os mísseis são os mísseis são demônios
Eu penso logo vivo eu vivo logo durmo eu durmo logo sonho
Eu sonho logo acordo acordo logo penso eu penso logo canto
Cantar é fácil difícil ofício paixão é igual a isso
Mas os bichos são os bichos são os bichos são os bichos
Amor se não existisse você ainda bem que existe
E o resto que se lixe que se lixe que se lixe
Eu penso logo vivo eu vivo logo durmo eu durmo logo sonho
Eu sonho logo acordo acordo logo penso eu penso logo penso
Pensar exerço exercito dançar baião não resisto
Luiz gonzaga é luiz gonzaga rei do baião
Jesus cristo é jesus cristo rei dos cristãos
Sentir penso logo sinto sorrir apesar de tudo ir fundo
Pois o mundo é o mundo é o mundo é o mundo
Eu penso logo vivo eu vivo logo durmo eu durmo logo sonho
Eu sonho logo acordo acordo logo penso eu penso logo vivo
ASSUMPÃO, Itamar. Itamar Assumpção: cadernos inéditos / organizadores Anelis Assumpção...[et. al.] São Paulo, SP: Ed. Terceiro Nome, 2015. 250 p. 20x27 cm. ilus. Inclui CD musical: “Iconoclássicos. / Daquele Instante em Diante”. Além de poemas e letras de músicas do autor, também alguns versos de Paulo Leminski e Alice Ruiz e de outros parceiros.
“Este livro — que reúne letras inéditas coletadas em cadernos de anotação de Itamar Assumpção — completa o olhar do Itaú Cultural sobre a obra do artista. O instituto também realizou a digitalização dos cadernos, para a preservação de seus textos da forma como foram escritos.”
“E havia também os cadernos. E o que são eles, afinal? Cadernos comuns, daqueles universitários, com capas coloridas, fotos de paisagens, carros, mulheres, motos. Neles escrevia diariamente. Às vezes uma única letra ou poema ocupava quase todo o volume, que ia ficando magro com as folhas arrancadas. Não havia o hábito de numerá-los ou data-los: simplesmente escrevia.” Edson Natale
SOZINHO
Sozinho, sozinho, sozinho...
Tem dias que eu me sinto,
me sinto, me sinto, me sinto.
Bem pra lá do Amyr Klink...
No meio, no meio, no meio.
No meio de um labirinto.
Juntinho, juntinho, juntinho.
Bem juntinho do Klaus Kinski.
Sozinho, sozinho, sozinho.
Sozinho nesse barquinho.
Barquinho, barquinho, barquinho...
de papel... meu Titanic.
Sozinho, sozinho, sozinho...
entre o sol e o meu barquinho.
Barquinho, barquinho, barquinho.
“Tá” tudo azul, só e a pique.
Sozinho, sozinho, sozinho...
SOA BONITO
Soa bonito
mas também tem os atritos...
Os quebra-paus infinitos...
conflitos.
Também tem gritos.
PAGODE BOM
Irmão, teu pagode é bom
porque rima no refrão.
Rima morte com a vida,
rima mundo com cifrão.
Saudade com despedida,
viola com violão.
Rima fome com comida,
arroz rima com feijão.
Rima queijo, beijo e desejo,
pinga rima com limão.
Rima queda com caída,
silêncio rima com som.
Irmão, teu pagode é bom
porque rima sim e não.
Rima rica, rima pobre,
rojão rima com São João.
Rima ida com partida,
rádio com televisão.
Rima morro com descida,
a arte com dom.
Rima Roma, Rômulo e Remo...
Eva rima chuvas rimam com verão.
UM OLHO ABRI
Numa manhã de agosto,
um olho abri.
Desgosto.
Face ao que vi, cobri meu rosto.
Caolho, botei as barbas de molho.
À DERIVA
Meu barco segue à deriva...
nenhuma terra à vista.
Vida de artista.
PERAMBULANTES
Os camelôs de São Paulo, espécie bem diferente,
dão mil nós em pingo dágua e vendem como pingentes.
Eles matam cachorro a grito e vende cachorro quente.
Dos fiscais da prefeitura fogem diariamente
pela da Amargura, na Lapa, Sé, Tiradentes.
Logo fazem rapadura e vendem tranquilamente.
Eles são ex-operários, eles não são delinquentes.
Eles não são empresários, eles não são emergentes.
Eles não têm salário, eles são ex-retirantes.
Dizem que oneram o erário por não serem comerciantes.
Com tábuas, alguns caixotes de manzanas da Argentina,
botam bancas de repente nas calçadas, nas esquinas.
Daí vendem doces, pentes... vendem uvas, tangerinas.
Vendem ervas e sementes, por cima pagam propinas.
Os camelôs de São Paulo são serem perambulantes.
Vendem de alho a baralho.
Vendem o que virem na frente.
VOCÊ SÓ PODE ESTAR ME CONFUNDINDO
Você só pode estar me confundindo.
Sempre fui inimigo do indiscreto.
Sempre fui tímido
além de limpo e distinto.
Sinto muito mas quem decretou o racional extinto
dando boas-vidas ao instinto
não fui eu, foi o seu...
e sim o seu vinho tinto.
Ver o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=8QFKQMktGtw
Página publicada em maio de 2015
Página publicada em julho de 2008
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