ISAIAS ZUZA JR.
Nasceu em São Paulo em 1977. Cursou Artes Cênicas na Faculdade de Artes do Paraná e Letras na Universidade Estadual Paulista. É professor e ator. Possui poemas editados em algumas antologias e publicou seu primeiro livro, Fúria devagar, em 2004, pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Além disso, publica em sites na internet e em seu blog: http://metrezuza.blogspot.com/
Poema-mundo
Vou formando seres de ruas, praças e colégios
sempre acompanhando homens de negócios
numas conversas de que mundo é um papel
noticiando a gente na guerra, nós de correr dias...
Eu e você, mundo com agulhas a costurar
o vai-vem da bola rolando, da bola voando,
uma novela que se desenrola na perfuração
do novelo da terra cheia de petróleo e gás...
Porque meu destino é relevo de passagem,
trago comigo a percepção por toda matéria
desde o tocar só por ser, ao sentir que tudo
em minhas mãos é de areia, centelha de explosão.
Perdida
Abro os braços para o espaço
de abrir e fechar a vida,
fazer do momento um traço
do que faço ser mantida.
Corro ao encontro do desenho
num corpo em linhas retas,
não tenho parada, eu venho
nas curvas, nunca nas setas.
Faço do olhar instrumento,
meço e perco as medidas,
faço círculo no vento.
Assim sou eu, quase um vulto,
aquela entre as perdidas,
no meio do povo em tumulto.
Conveniência
Convém dizer que os sonhos não morrem,
mas que são povoados de figuras sem paisagem:
como trouxesse numa fita um recorte, morro somente
por aquilo que quero morrer, pelo desejo de perda
e desejo de posse tanta, por aqueles que morrem.
Existe na escuridão da linha em branco passagem,
feita de traço, formando no poema acidente,
construindo a razão e a função de todos os sucessos
que passam por nós e nos tocam com azar ou sorte
os sentidos e a alma, do fio do cabelo à boca do estômago.
E o que fazemos, e o que deixamos, é um sonho para ser
aperfeiçoado em figuras em série, de paisagem branca
recorte de traço, morte de tudo, como num ciclo
semente de vida, mero acidente, seqüência de ganho
mais sonho de perda, passagem sem linha e dizer de posse
pois convém dizer que os sonhos não morrem jamais.
O amor dos poemas
Tira, teu coração
é fardo tão leve —
eu tive o meu
tão puro e massa
dura —toma, é tudo
o meu tombo de castelo
no que tenho medievo
canção de gesta, amigo
e de amor resta
que te guardo cancioneiro
que te guardo um dia tido
e nenhum dia verdadeiro.
Dissertação de um anjo maldito
Virei uma noite ao som de vozes e de cantos peregrinos
para entender que a uma falta tenho motivos de presença
tanto que me invade tua imagem , pois espero chegar só e
calmo, depois de cansar você eu de pensar tanto e dormir.
Eu que não morri de dores e não morri de fogo, caminhei
nas águas que trazem às praias os corpos de gente afogada
e escutei as estrelas, e escutei o deserto e a saudade alheia,
a saudade dos homens de tudo o que os fazem fabulosos...
A viagem dos que vivem é um passo dos olhos, outro passo
no tempo que vai longe, fazendo mover o corpo ao que se
vai sem rumo, num querer esquecer a morte que os espera.
Quando a batida do coração se esvai, e cai a noite, e as asas
dum anjo batem, já não mais é pulsar de leveza e vida, caem
os vivos na terra dos transeuntes, enterrados em valas comuns.
A natureza humana
Pedaço de fogo e brasa de pau
brisa de água e mar de tornado
tuas chamas queimam minhas enchentes
tuas florestas afogam meus fôlegos.
A natureza mata a natureza
mas na larva vulcânica
de encontro às flores
a natureza cria a natureza.
De morte e de vida assim a tenho
sem saber quem morre primeiro
e quem fica sozinho no mundo
que o homem sem natureza é nada,
sem floresta não tem respiração
sem renascimento não existe encontro.
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