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Ilona Bastos nasceu em 1959, na cidade de S. Paulo, Brasil.
Frequentou o Curso de Formação de Professores da primeira à quarta série do primeiro grau, no Rio de Janeiro.
Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa em 1983.
Exerce advocacia em Lisboa.
Escreve poesia, contos, crónicas e histórias infantis.
Biografia em: http://www.ilonabastos.webhs.pt/
REFLEXOS
Nas poças de chuva que a rua enfeitam
há um milhão de coisas:
um alto edifício com um velho à janela,
um ramo frondoso com suas mil folhas,
dois pombos cinzentos em encontro amoroso,
um vaso de flores que a senhora observa,
as nuvens bojudas, percorrendo o céu
e a folha dourada que o plátano larga,
que vem a voar, flutua e poisa
serena, confusa, no mar...
E, então, se te chegas mais perto,
estendendo a mão para o barco alcançar,
é o mundo que eu vejo na poça de água,
magnífico, fascinante, reflexo vibrante
do teu puro olhar.
O TEMPO
Quando voltará o tempo
a estender-se a nossos pés
como uma planície verdejante?
Que saudades das tardes imensas,
infinitas, em que brincávamos,
corríamos, descansávamos
e líamos, horas a fio,
esses romances que nos enchiam a alma
e que em nós se tornaram!
Durmo demais ou de menos?
Sou lenta ou, antes,
apressada em demasia?
Manhãs e tardes esfumam-se
na voragem do dia-a-dia…
Nervosamente antecipo o pôr-do-sol,
enquanto percorro este labirinto
feito de momentos compartimentados,
intercalados por corredores
apinhados de ânsias e temores,
que são o meu tempo de hoje.
Sonho com o regresso do tempo infindo,
em que o corpo voltará a correr livre,
como criança, e o espírito, ousado,
voará mais alto do que nunca!
Tanto desejo esse tempo!
Tanto planeio criar
nessa planície verdejante!
Caiam paredes!
Dilate-se o espaço!
Germinem sementes!
Estenda-se a nossos pés
a imensidão do tempo!
O RITUAL DO CAFÉ
Estampa-se o sol em delicados raios
Sobre o mármore branco e liso da cozinha.
Suavemente me debruço e uma porta abro,
colho a chávena fina e o florido prato.
Ergo o meu braço e num voo livre,
No gesto de um armário desvendar,
Colho o nobre pó de inebriante aroma.
(...)
Tudo coloco em ordem e harmonia:
prato tranquilo e a expectante chávena,
Nesta, o torrado grão moído, de castanho intenso.
No açúcar rico, centro o meu cuidado,
A montanha branca transportando, pura,
Em bojuda prata que doce se inclina.
E luzem cristais em cascata linda!
Depois, a água borbulhante, quente
A mistura inunda, dissolvendo-a
Em espirais de espuma que a colher adorna.
Café! Café! Precioso encanto!
Em dégagé devant te cumprimento,
Os meus braços lanço em acolhimento grato.
Da janela aberta me acerco então.
Tão bela é a vista que o Outono pinta no jardim!
Castanho da terra e verde das plantas unem-se
A água que brilha em bebedouro antigo.
Aspiro, feliz, da manhã tranquila, o seu odor
Aquente café e à relva orvalhada.
Olho o céu e sorvo um gole, outro e outro.
E assim me quedo, por instantes longos.
Entre o prazer forte do café e a doçura da manhã
Mais um dia de vida se inicia!
Página publicada em março de 2020
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