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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ILKA BRUNHILDE LAURITO

 

(São Paulo, 1925) é uma escritora, poetisa e professora brasileira. Em 1948, Ilka publicou Caminho, seu livro de estréia. Ativista, Ilka tomou parte de movimentos de divulgação literária, como o Poesia na Praça e Poetas na Praça, em 1969 e 1975, respectivamente. Na década de 1980, organizou Casimiro de Abreu, livro da coleção Literatura Comentada (Abril Educação), e publicou, com Flora Bender, Crônica: História, Teoria e Prática.

Formada em Letras pela USP, Ilka trabalhou no magistério secundário e superior e vem publicando, além de poesia, contos, crônicas e ficção infanto-juvenil. Na década de 1960, foi diretora do Departamento de Cinema e Educação da Cinemateca Brasileira.

 Prêmio Jabuti 1987 - Livro: Canteiro de Obras (poesia); 1990 - Livro: A Menina Que Fez a América (infantil)

Origem: Wikipédia  (Página elaborada por indicação de Ésio Macedo Ribeiro)

 

Ilka Brunilde Laurito

De
Ilka Brunilde Laurito
A NOIVA DO HORIZONTE
São Paulo:  1953

Exemplar da obra fora de mercado, hoje de difícil acesso, peça restrita a poucas bibliotecas e coleções particulares.

 

                                      ***

 

Nunca te amei. Senti saudade apenas

do que sonhara em um átimo perder.

Nunca te amei. Foste surpresa, encanto

e o fulminante astro de um instante.

 

Não tive tempo. Vi a cauda de um cometa

afaguei-lhe a coma e lhe beijei o adeus

que da passagem curta à longa ausência

latejava no céu da minha vida inteira.

 

E agora, que fazer? Como rever-te?

Como manter o sol que me acendeste?

É preciso esperar inumeráveis tempos

até que brilhes de novo em meu sistema?

 

Num bólido de sombras trilho a ausência.

Oh Deus, oh Deus! Porquê tão nebuloso rumo?

Porquê tão separada estou entre as estrelas

da tua primeira chama há tantos anos-luz?

                                      ***

 

A cicatriz que tu deixaste em minha boca

não mais sangrou depois que se fez sopro

e em minha voz se coagulou.

 

Silenciamos ambos.  Mas a canção  de  amor

acorrentou as distâncias nesse  eco  errante

entre o silêncio de um e de outro.

 

Eu sei que tu me ouves.  Estou  na  carícia  acústica

que do meu pranto se evapora até teu rosto

como marulho, brisa ou nuvem.

 

Não me respondes.  Mas  incessante  continuas

a  procurar na pauta amante do horizonte

a  clave-sol da minha sombra.

 

 

 

                                      ***

 

Onde  ficaste  és  tão perfeito  que  eu  não  sei

se  quero  que  tu  venhas  ou  te  estendas

neste  sereno  céu  que  em  mim  contemplo.

 

Da  madrugada  ao  ocaso, és  sempre  o  mesmo:

o  sol,  a  nuvem, o vento  e  a  lua-cheia,

nesse  espectro  de luz  que  apago  e acendo.

 

Quando invoco:  Amado!  tenho  medo

que  num  céu  de  carne  me  apareças

e  que chova  em  mim teu sangue e nervos.

 

O espaço é um corpo informe e transparente.

A ausência, essa eu comunguei tão fielmente

que já não como trigo: só o fermento.

 

 

 

Janela de apartamento

De
Ilka Brunilde Laurito
 
Janela de apartamento
 São Paulo: Prudentia Editora, 1968. 78 p.

 

 

JANELAS

 

Passos sem pegadas na magra madrugada.

A mesma luz fraca de todo dia,

amém, também se apaga.

Afago, gelado, o escuro do quarto apagado.

Noturno travado,

tranca e nunca esquece de conferir

se realmente trancou a porta.

Triste rindo cumpre sua quota.

Convive em silêncio cúmplice

com suas meias na sacada penduradas.

Freiras de flanela rasgada.

Frieiras na carne arrastada

pela quase finda vontade.

O que eu valho (que bom)

não vale nada.

 

 

PERDAS E DANOS

 

Arrotaram uma arrogância de água mineral gasosa.

Sacudiram qualidades de plástico

num chocalho sem guizos.

Aplausos primeiro.

Depois, risos.

A menina que catava conchas na praia suja cresceu.

Hoje conta histórias para boi mugir.

A ilha que eu sonhava, bem ao norte deste empate,

afundou no oceano de porquês.

Eu poderia fazer uma corda com retalhos

a fim de atravessar os sete mares e as cinco pontes.

Ou escrever uma peça para marionetes sem fios.

Recusei a oferta e o altar.

Com os olhos procurei ao redor,

mas o redor era fora do alcance da vista.

O tiro de despedida é mais doce

do que o beijo de misericórdia.

Surpresas a varejo empresariam nossa mentira.

Um chiclete gruda na memória

retardando a detonação daquela bomba.

Publicarei minhas memórias num edital do tribunal de contas.

 

 

DISK-HORA

 

E se a necessidade fosse do tamanho do pensamento?

E se a minha roupa desfiasse e voltasse para o novelo?

E se a providência valesse menos que farofa jogada ao vento?

E se meu irmão viajasse para longe e eu nunca mais tornasse a vê-lo?

E se meu cão conversasse comigo em alemão?

E se felicidade tivesse preço, quanto valeria o dinheiro?

E se a boca ao morder não mais fechasse?

E se a cola ao colar unisse?

E se eu assinasse tudo o que já disse?

E se ao sorrir a minha alegria fosse triste?

 

 

NÃO AUTORIZADO

 

Andei como andam os suicidas.

Com uma bala bem rente ao coração,

e uma saudade espremida, exaltada e apertada entre os dentes.

Saí, como se todas as portas fossem dispostas na diagonal.

Desta forma poderíamos subir

e descer andares sem o uso da escada.

E isso não seria nada mau.

Lembrei, como a lembrança que sobe goela acima,

e, gosmenta, se recusa a ser cuspida.

Inventei fraturas e tipóias para me pôr a salvo,

sem saber que os soldados sorriam

por se julgarem do lado certo do pelotão de fuzilamento.

Escrever no escuro memórias daqui para o futuro.

E antecipadamente marcar o dia e a hora da própria tocaia.

Acho que sou o espécime único de uma grande laia.

 

 

 

LAURITO, Ilka BrunildeSal do Lírico. Antologia poética.  São Paulo: Edições Quíron,  1978.   130 p. ilus. 14x21 cm.  Capa e montagem das fitos: Edson Braga.   Ex. col. Antonio Miranda.

 

AS MÁGICAS

mágica 1
Tudo o que eu toco
se transforma.

(Pena
que não me toco)...

                    mágica 2
                   
... mas se me tocas
                    oh! se me tocas!
                    — quem é a mulher-cobra
                    que salta e que se solta
                    de sua toca? ...

mágica 3 (ou A Primitiva)

Grito o teu nome
como a neandertal
gritou seu homem:
— fome! FOME!

O grito
perfura os poros
da ancestral
caverna:
(— come! COME! —
dizem os ecos).

Meu corpo
no teu corpo
inventa o fogo:
(tigre jaguar
leoparda gata
pantera loba
onça leoa!)

Desenho no teto o fim da guerra
e prendo as feras.

Agora
eu sou mulher de novo.
Tatuo na pele
que TEAMO
mas a palavra
é apenas roupa
que veste o pudor
de nua
força. 


POESIA SEMPRE. Minas Gerais.  Número 10.  Ano 7 
Editor Geral: Antonio Carlos Secchin.   Rio de Janeiro: MINISTÉRIO DA CULTURA / Fundação BIBLIOTECA NACIONAL, 1999.    274 p.        ISSN 0104-0626     No. 10 990  
                                        Exemplar biblioteca de Antonio Miranda

 

        Retrocesso

     
Todas eram filhas-de-maria
       (e as que não eram, se diziam)

       Na igreja de Santo Antônio
       faziam trezenas, namorando o altar.
       E na sexta-feira santa,
       acompanhando a procissão do enterro,
       não ousavam encarar, pudicamente,
       o ensangüentado corpo nu e inteiro
       do redentor das madalenas.

       Obliquamente,
       pestanejavam o olha sonso
       para os moços da congregação mariana,
       diletos filhos de Deus
       e, como o Salvador,
       muitos solteiros.

       E quando a Verônica,
       no sexto passo da Paixão,
       cantava coberta de um véu negro,
       elas suspiravam, sonhando alvos botões de laranjeira
       e apertando com angélico fervor
       as velas túmidas de cera.

 

*
Página ampliada em outubro de 2024.

Página publicada em junho de 2010
, AMPLIADA e republicada em junho de 2014

 

 

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