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IDELMA RIBEIRO DE FARIA
(1914-2002)
Nasceu em Rio Claro (SP).
Formou-se em Farmácia na USP. Foi também poeta, jornalista, contista e professora.
Publicou Alma nua (1949); Meridiano do Silêncio (1955); Acalanto para a menina morta (1964); Sonetos (1970); Presença do Enigma (1972); Quarteto (1988); Haicais (1995); Uma abelha ao sol (1995) e Emoção e memória (Obra reunida, 1999).
Participou das antologias: Coletânea de poetas paulistas (1951); Vozes da poesia feminina brasileira (1959); Antologia poética da geração de 45 (1966). Publicou ainda contos e livros infantis. Traduzia do inglês e do francês. Consta do levantamento de tradução poética com Poemas, de Emily Dickinson (Hucitec, 1988); Poemas 1910-1930 (Hucitec, 1980) e Corais de “O Rochedo” (Massao Ohno, 1996), ambos de T. S. Eliot, e com uma antologia de Emily Dickinson, T.S. Eliot e do poeta haitiano René Dupestre (Hucitec, 1992).
Biografia: http://poesiatraduzida.com.br/idelma-ribeiro-de-faria/
CAMPOS, Milton de Godoy. Antologia poética da Geração 45. São Paulo:
Clube de Poesia, 1966. 207 p. 16 x 23 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
FILHO, PERDOA
Ela aí está oculta
em algum ponto de teu corpo moço,
Silenciosa aguarda
o exato momento.
Silenciosa espreita.
Filho, perdoa.
Toda essa construção
harmoniosa e pura
argamassa em sangue,
não é mais que o ritual de uma oferenda
a ela, a invencível, a implacável.
Quando em teu coração morder a dúvida
será ela tua única verdade.
Quando teu passo vacilar na sombra
será ela o teu destino último.
Inconformada assisto
ao latejar do tempo em tuas veias.
Breve o que é hoje claro, leve, rútilo
— arremesso de asa para o alto —
rolará turvo e denso
e se transformará em nódoa opaca.
Filho, perdoa a única certeza
que te legou meu sangue.
Filho, perdoa o trágico milagre.
A PRIMEIRA MENSAGEM
Transponho ilhas de vazio
e vou buscar-te em fragmentos,
pequenina.
Névoas circundam-te os cabelos,
névoas penetram-te na boca,
turbam-te os olhos.
Mas a cantiga é cristal líquido.
Nasce na sala,
transporte o inerte corredor
e eclode em vívida mensagem
na soleira.
Um vulto vago
— Mãe sereníssima —
se dualiza:
senta-se ao piano,
o filho ao colo.
Canta o menino.
E a melodia te trespassa
e fragmenta.
Vou encontrar-te na soleira
em braços, pernas, gesto e riso.
Entanto, plenos de presença,
olhos e ouvidos
estão na sala
irmanados ao canto.
Notas florescem em tênue fio,
unem-se à noite.
Vultos se movem, nebulosos,
mas voz filtrada
fixa o quadro
nitidamente:
— Um ano se canta!...
Dez são os irmãos em torno ao instante.
Dez, todos eles intocados,
leves, ingênuos,
pés levitando além do lastro
do inapelável e do obscuro.
Não percebem
no canto
o voo migratório
a emoldurar a infância débil,
a perseguir além da infância
o rosto branco e adolescente,
rosto translúcido,
pulverizado em febre e tosse,
rosto-sombra,
vagando insone,
rosto-paina,
aberto em círculos de silêncio.
Página publicada em agosto de 2020
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