FÚLVIA CARVALHO LOPES
De
Fúlvia Carvalho Lopes
TATUAGEM
Grafismos de Helena Armond.
Prefácio de Nelly Novaes Coelho.
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1989.
s.p. formato 22x20 cm.
II
TEMPO
tempo
margem que aproxima a travessia
malha urdida em água régia
tempo
prossegue decantando meu perigo
e seu resíduo
assim —
como se nada quisesse
como se nada ferisse
nem punisse no seu lacre de falcão real
no lance de agudas garras
no selo abissal
tempo
me leva me tange junto às levas de crianças
refugiadas
junto aos mais árduos criminosos
me lava em lacustres águas
me lavra com ferino punhal
tempo
consome e reacende a brasa
e tatua
tatua a rota da passagem argonauta
na pálpebra secreta de meu rosto exposto
rosto de água e tempo
de amor e grito
frágil rosto inato de tão frágil
e t e r n i d a d e
tempo —
irmão menor profeta mensageiro
beija a cicatriz nas pálpebras descidas
de irisada pele que o pólen fecundou
para a colheita de Dionísio
irão menor profeta retirante
recolhe a pétala-flor-romã
petúnia das horas mortas
pétala flor da vida
o tempo entremostra a face
terrível doce face revelada
enquanto
estremeço no meu rosto incógnito
enquanto
no fundo do poço mais fundo
mergulho os cegos olhos videntes
vindos do tempo
feitos d o tempo
feitos de tempo
feitos de água
samorim —
tu que és rei do mar em calicute
apaga o poço do medo
enfuna a buja ao sabor do vento
que o verão chameja nos confins do mundo
e o minotauro tem envernizados olhos
aferroados aos desvãos do labirinto extremo
estende tua mão real
— samorim —
estende a mão
e colhe entre as ramas
a maçã da vida
dada e devolvida
a maçã mordida
há horas planas
lhamas horas no paiol das messes
horas até plenas
semelhando aquelas largas
longas planícies sem remorso
sem sombra nem jaça
apenas planas
há
horas curvas
recurvas como adagas de acirrado fio
na lucidez do traço frio
de talho rubro no rescaldo dos dias penitentes
são savanas carnívoras de endoidecidas soberanas
nunca de todo desvendadas
sobretudo —
nunca conquistadas essa horas-adagas
nunca
nunca apaziguadas
quando
como
me perderei entre as malhas deste espelho
espelho imóvel
entre frinchas de reflexos desdobrados
na margem tão exígua de seu adro
fulgurante
como
em que brecha caberão estes cabelos
o dízimo desta dúvida
a espera
os poros
o grito
neste chão posto cada vez mais agudo
feito cada dia mais presente
chão de espelho reverso
primordial espelho negado-oferecido
que o centauro pisoteia com seus cascos
como
quando
Página publicada em setembro de 2011
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