FRANZ RULLI COSTA
É natural de Monte Alto, São Paulo e médico-sanitarista de formação. Publicou uma trilogia pela editora de Massao Ohno: Porto Inseguro (1990), Porto das Damas (1991) e Porto das Alamss (1993). Em Brasília desde 1965.
De
Franz Rulli Costa
PORTO DAS ALMAS
ilustrações de Darcy Penteado
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1991
ROSA GOIANA
Teu perfume
mais que vário
na sala modesta e limpa
é a cambraia do cenário
no caminho sobre a mesa.
Todos os pratos estão postos
na fileira dos filhos
compostos e asseados
como se estivessem sentados
apenas para rezar.
QUASE ALGUM SENTIDO
Um abraço de alicate
arama curta de batata
torta caixa de engraxate
uma costura de alfaiate
alça fina duas latas
uma tramela novo engate
um sonho bom um disparate
um pé de pregos
outra pá de cegos
uma rua escura um quilowatt|
as águas de remoinhos
dos barrancos e das cataratas.
Um arrebol um calango
foge coreano do arranca-rabo
um limoeiro um curiango
velha dona dormideira
o jogo ganho um empate
um livro velho
uma dor no peito
impressões inexatas
a lágrima seca
no horizonte um iate
aporta aberta
e a viola parda
lâmina de quina uma esfera
a noite passou há anos
como tudo tem espera
e tem passado.
Apenas
não se cura
o coração
de paixão deste quilate.
De
Franz Rulli Costa
PORTO SURUBIM
ilustrações de Siron Franco
São Paulo: Massao Ohno Editor, 1993
SURUBIM
1. Bateu à porta ainda escuro
o vento da madrugada buscando o dia:
pude bem sabê-lo
em suas vestes de folhas em movimento
no disfarce luminoso
de anjo casto e violento.
Pude segui-lo sala adentro
destampando o feijão dormido
arrastando sua capa de cipó
perfume de Angelim
e luz de estrelas
(pensei por um instante poder vê-las
antes do lampião apagar
e escondê-las).
Na solidão dos pastos é assim:
a natureza emite seguidos sinais de vida
mais que oração
orientação precisa dos ritos naturais
ventanias saem pela casa afora
parecendo coisas banais.
2. Quem vem lá?
não é pessoa fogo-fátuo ou bicho
nem bando de periquitos
é produto da seiva das grutas
resulta do choro das terras
das tempestades escondidas nas serras
de tudo mais que é líquido quente
do quanto está imprevisto na ida
de um homem como eu:
sem eira tapera nem beira
riso demente dos cerrados
ramo de flor nas mãos
bolsos cheios de sementes
na boca sabor de maio
à-toa.
3. O azul tino das asas
a ordem onírica das partituras
qualquer vermelho de algum pano
na tarde se não me engano
o sol busca poentes
mais que poentes: horizontes
suas grandezas cheias de argumentos
andares transeuntes
terras as terras dos navegantes
e os sobreviventes dos bares.
Onde os parentes
morto todos mortos
nas covas do tempo barrento
o rio viajando curvas
feito de barrancos
murmúrio d´água
enternecimento.
CASA DA PONTE
Por menos que queira
ou por mais?
sigo o mundo
com olhos integrados
à paisagem de Goiás.
Me acostumei
sob a força generosa do tempo
a ter direitos permanentes
passados em cartório
a estas lentes graduais.
Corgo é corgo
esterco é munhado
arroz pilado
água de poço
pequi amarelo
sabiá da manhã
flor do cerrado
Rio Vermelho
Cora Coralina
araticum e jequi.
Muito urbana
quiçá metropolitana
da banda paulistana
dever rir
vez por outra
do meu retrato caipira
de olhar que atira
mansidão de currais.
E invejar amiúde
com certeza
estes meus privilégios
especiais.
Página publicada em janeiro de 2010
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