FRANCISCO GASPAR
(1869-1921)

Francisco Gaspar Martins, nasceu em Jacareí, São Paulo, em 20 de outubro de 1869 e faleceu em São Paulo, SP, em 21 de abril de 1921. Poeta, funcionário público, político.   Sua obra está praticamente esquecida.  Em seu livro “Calvário do Sonho” revela-se um homem amargurado, sem esperança de salvar-se de uma “molestia incomprehensivel e cruel, que ainda hoje me martyrisa”... vindo a falecer no ano seguinte.
Obra poética : Florário, 1908; Flutuantes, 1916; Calvário do sonho, 1920, Ninféias, s.d.

De
CALVARIO DO SONHO
Últimos Versos
São Paulo: Casa Vanorden, 1920. 130 p.

(conservando a ortografia da época)

A PEDIDO

Pediram-me um soneto rendilhado,
Feito de luz e sombra, e de perfumes;
Que o verso fosse terso, ethéreo, alado,
E que brilhasse como vagalumes;

Que eu fizesse um sonetos aprimorado,
Sem provocar dos novos negros ciumes;
Que fosse sóbrio como um namorado
Que não tivesse amôr e vãos queixumes.

Fiz os primeiros versos num instante,
Todos serzidos de beryllo e rosas,
Com “laços d´oiro” e gemmas do Levante.

Mas ao passar pra o último tercetto,
Achando as rimas futeis, desgraciosas,
Rasguei sem terminar o meu soneto.


CONSUMMATUM EST!

         “Sine ira et studio.”

Lembrando meus dias de ventura,
Que passámos juntos descuidados;
Eras tú bondosa, meiga e pura,
E eu, o mais feliz dos namorados!

Mas nem sempre o amor é que mais dura!
Foram-se meus sonhos encantados;
Si lamento a minha desventura,
Sorris de meus versos malogrados!

Eu tenho a saúde combalida,
E além das tristezas desta vida
Vibraste-me o golpe mais profundo!

Não fôra peccado eu t´o diria:
— Perdi meu amôr, minha alegria —,
Nada mais me resta neste mundo!


DESESPERADA

        Para o Dr. Jorge Oliva

Hontem á tarde, quando regressava
Do meu trabalho, cheio de esperança,
Pela mesma avenida transitava
Uma jovem da minha vizinhança.

Parecia estar doente.  Suspirava...
Não sem motivo a desconfiança,
Ella soffria e, ao vêr que eu a espreitava,
Baixando  os olhos, cautelosa avança...

Já o leve crepúsculo descia:
Mais um último olhar foi o bastante
Para vêr que de mim ella fugia.

Hoje de manhã soube, contrafeito,
que a vizinha, enganada pelo amante,
Disparára um revólver contra o peito!


DESILLUSÃO

         Para o dr. Carlos Brosch

Esta é a terceira vez que sobre a meza
Colloco tira de papel almasso,
Para lembrar do amôr toda a fereza,
Escrevo sempre, mas não se que faço...

Leio um verso, outro leito; que tristeza!
A Musa não me acóde! Invóco Tasso:
Parece-me que o Ma tem mais defeza
E o Bem, ao envez, me tolhe e prende o braço!

Mas, resoluto e cheio de coragem,
Consegui esquecer-te e pôr-te á margem...
Por mais que te arrependas, eu não mudo!

O amôr que me deixou desilludido,
“É como o Lethes, do torpente olvido,
“Quem delle bébe, logo esquece tudo”!”


PHILOSOPHANDO...

(Lendo o “Intermezzo” de Bessa)

Queria vêr, alfim, o desenlace
Desta vida de abrolhos e sem norte,
Quem de mim soluçando se afastasse
Que faria depois de minha morte,
Quando fosse meu corpo sepultado;
— “Queria perguntar ao coração,
Se valeria a penas eu ter andado
A vida toda atraz de uma illusão!”

Página publicada em dezembro de 2008, a partir do exemplar do livro encontrado em um sebo.