Fonte: http://flip2007.wordpress.com/fabricio-corsaletti/
FABRÍCIO CORSALETTI
Nasceu em 1978 em Santo Inácio, interior de São Paulo. Mudou-se para São Paulo em 1997, formou-se em Letras pela USP e escreveu letras para a banda de Rock Barra Mundo.
Fabrício Corsaletti é editor da revista de poesia “Ácaro”. Publicou Movediço (2001), O Sobrevivente (2003), Zôo (livro infantil, pela Hedra) e Estudos para o seu corpo, reunindo os dois primeiros livros e inéditos, pela Companhia das Letras.
“Daí o tema sem ênfase de Corsaletti, que mimetiza a pura negação: “o passado não voltará no ladrilho novo”, nem no poema, impotente para recuperar o passado dos massacres da memória e da identidade.” Manuel da Costa Pinto
HISTÓRIA DAS DEMOLIÇÕES
A história das demolições
a história trágica das demolições
não acontece como no cinema
a vida não tem trilha sonora
as paredes caem silenciosamente
(no máximo a pancada dos martelos)
o chão varrido fica melhor
(o passado não voltará no ladrilho novo)
lembrar o que quer que seja é inútil
as imagens da memória são ruins
o que ficasse em nós seria a esperança
mas o que existe não exige lembrança
o que morreu está definitivamente morto
não há sequer a vontade de chorá-lo
o luto mesmo é impossível
HISTÓRIA
Na cidade em que nasci
havia um bicho morto em cada sala
mas nunca se falou a respeito
os meninos cavávamos buracos nos quintais
as meninas penteavam bonecas
como em qualquer lugar do mundo
nas salas o bicho morto apodrecia
as tripas cobertas de moscas
(os anos cobertos de culpas)
e ninguém dizia nada
mais tarde bebíamos cerveja
as brincadeiras eram junto com as meninas
a noite aliviava o dia
das janelas o sangue podre
(ninguém tocava no assunto)
escorria lento e seco
e a cidade fedia era já insuportável
parti à noite despedidas de praxe
embora sem dúvidas chorasse
TENSO
rolo de arame farpado
tora de peroba
de aroeira
todas as formigas
do couro da minha cabeça
um queixo
minha mão
meu pau meu punho
meus tensos dentes
Amo aquela mulher
desde o momento
em que a vi mijando
descontrolada em pé
aquela mulher
era puro amor
ELA E SUA CIDADE
Vai buscando as nuvens compactas,
como um samba perfeito,
nesta tarde de sol em que a poesia
é menos que a poesia.
Sabe onde estão os vidros da noite.
Tem dedos infinitos,
narinas transparentes,
imperfeitas sobrancelhas intocadas.
Nos seus quadris começa o mundo.
Seu passo aperfeiçoa o amor.
Há redes grávidas, amarelas
em toda a costa do mapa.
De cada bicho rouba uma surpresa.
Pantera branca, garota de colégio
(jamais um tigre de Bengala
desbotado); brancura acinzentada
do cinema em preto e branco.
E as palavras vivas, na boca viva,
são um pensamento livre.
(Ela deveria ter sido poupada para o mundo justo.)
Antes de se cansar, desaparece.
Depois amanhece.
Viver para ela deve ser bom.
TOMATES
os tomates
fervendo na panela
meu pai minha mãe
na sala televisão
fiquei olhando
os tomates
estava frio o bafo
quente dos tomates
esquentava as mãos
saía da panela
já naquele dia
um cheiro
forte de passado
AMOR
nos isolaremos
como se isola
o som
que sai do
sax
de Charlie Parker
como atingem
o alto-mar
alguns navios
como se perdem
datas cabelos
amigos como se consomem
laranjas doçuras
jornais
como se destroem
vidas
edifícios
motoristas
De Movediço (2001)
De
Fabrício Corsaletti
ESQUIMÓ
Poemas
São Paulo:Companhia das Letras, 2010. 76 p.
ISBN 978- 85-359-1595-2
Fabríco Corsaletti é um dos nomes da nova geração que vem se afirmando na poesia contemporânea brasileira. Segundo Paulo Henriques Britto, neste quinto livro de poesia, "Fabricio Corsaletti permanece fiel a uma dicção eu equilibra com eficiência nostalgia e ironia, lembranças da infância interiorana e referências literárias e cinematográficas, paixão vivida e distanciamento crítico. A comparação entre os poemas de Esquimó e os mais antigos aponta para uma concentração crescente, uma utilização cada mais intensa de alguns recursos Um deles é a repetição de um mesmo verso com alterações mínimas, porém cruciais". Vale a pena conferir. Por sorte, a editora tem boa distribuição e é possível encontrar o livro nas livrarias, o que não acontece com a maioria dos livros de poesia.
Por causa das restrições de nossa lei do direito autoral (que agora entra em discussão para sua revisão no Congresso Nacional, na tentativa de admitir o fair use no caso da utilização de partes da obra no processo de difusão cultural e nas ações pedagógicas sem interesse comercial) vão dois poemetos...
do avô guardei
o último cinzeiro
a última faca
— faz algum tempo
o cinzeiro sumiu
desde então
guardo do avô
a última faca
Exílios
o nariz de minha mulher
lembraria o focinho
de uma capivara
de pelúcia
se vivêssemos
numa ilha
selvagem
onde as capivaras
fossem os únicos
animais
e corressem
risco de extinção
—
desde que conheci
minha mulher
me sinto exilado
dentro de mim
CORSALETTI, Fabricio. Quadras paulistanas. Ilustrações Andrés Sandoval. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. s.p. 15,5x22,5 cm. ilus. ISBN 978-85-350-2363-6 Col. A.M. (EE)
CORSALETTI, Fabrício. Baladas. Ilustrações de Caco Galhardo. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 64 p. ilus. ISBN 978-85-359—2815-0
“Feitas as contas, o leitor notará que estas Baladas vivem do vaivém entre a farra e a ressaca, a gíria e a métrica, o brilho do presente e o afã melancólico de fixa-lo antes que seja tarde. Sua poesia e sua verdade vêm daí, dessa capacidade formal e humana de acolher tanta coisa, e tão contrária.” SAMUEL TITAN JR.
Página publicada em janeiro de 2009; ampliada em julho de 2010; ampliada e republicada em dezembro de 2013; ampliada em dezembro de 2016.
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