FÁBIO MONTENEGRO
(1891-1920)
Nasceu em Santos a 26 de maio de 1891 e faleceu a 21 de agosto de 1920. Foi um dos redatores da revista "O Verso".
Publicou: "Jornada Lírica" (poesias, 1920); "Flâmulas" (poesias, 1925 - obra póstuma).
A ÁRVORE
Hirta, negra, espectral, chora talvez. Responde
Seu próprio choro, à voz do vento que a fustiga,
Ela que ao sol floriu, floriu às chuvas, onde
A paz é santa, o campo é doce, a noite é amiga ...
Essa que esconde a chaga, essa que a história esconde,
Que conhece a bonança e a borrasca inimiga,
já foi flor, foi semente, e, sendo arbusto, a fronde
Ergueu para a amplidão às aves e à cantiga.
Que infinita tristeza o fim da vida encerra
A quem já pompeou do Sol na própria luz.
As flores para o céu e a sombra para a terra!
Foi semente, brotou... Árvore transformada,
Sorriu em cada flor; e hoje, de galhos nus,
Velha, aguarda a tortura estúpida do nada!
NÓS
Eu ando alheio, há muito, ao que se passa
sob a miséria e os torvelinhos da rua;
desconheço o clamor da população
e a vaidade, que em tudo tumultua.
Vivo do seu amor, da sua graça,
e adoro, sob a névoa que flutua,
através da cortina e da vidraça,
a palidez romântica da lua.
Em cada riso, em cada olhar, em cada
anseio que de ti me vem, querida,
sinto que cada vez és mais amada.
E assim, longe do mundo, refletida
tua alma na minh'alma, és alvorada
cantando o poema esplêndido da vida!
A MOCIDADE
A mocidade é uma árvore florida,
Ampla, copada, esplêndida, sonora,
Palpitante de seiva - para a vida,
Nimbada de perfume - para a aurora.
Amemo-la cantando! Enternecida,
Ela o poema dos poetas revigora;
Sangra e abençoa; imola-se e é querida;
Casta ao sorrir e bela quando chora.
Entre o verdor das folhas luzidias,
A flor é uma ilusão, o fruto é um canto,
Na sucessão das noites e dos dias!
Cantemo-la na pompa transitória,
Na orvalhada que é todo o nosso pranto,
No gorjeio que é toda a nossa glória!
POEMA DA TERRA
A Guilherme de Almeida
O lavrador é um poeta. O arado é a pena. Doura
O campo que é o seu livro, o sol quente da rima.
O Gênio lavra. A ideia amplia. A alma entesoura,
E a seiva estua e ferve, e a vida esponta e anima.
O adusto e negro chão, ermo de asas em cima,
Treme em partos depois: a cabeleira loura
Da seara fulge, aumenta e se desdobra, opima,
Na transfiguração gloriosa da lavoura!
Terra fecunda e boa, imácula e sonora,
No teu ventre a semente atrai no mesmo anseio
O silêncio da noite e a aleluia da aurora!
E o Poeta que te ergueu, e que te ama, em ardores
Supremos, vive em ti, nas aves, no teu seio,
Recebendo o penhor dos frutos e das flores.
Página publicada em agosto de 2015.
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