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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ESMERALDA RIBEIRO

 

 

Jornalista, nascida em São Paulo em 1958, Esmeralda Ribeiro faz parte da Geração Quilombhoje, que atua nos movimentos de combate ao racismo e na construção de uma ‘Literatura Negra’, a partir do resgate da memória e das tradições africanas e afro-brasileiras. A autora participa regularmente de Seminários e de Congressos nacionais e internacionais, sempre apresentando estudos sobre escritoras afrodescendentes, com o objetivo de incentivar uma maior atuação da mulher negra na literatura. Nos anos 80, foi uma das poucas mulheres a integrar as discussões do I e do II Encontros de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros: “quero falar de ‘nós’ porque o tempo sempre nos deixou atrás das cortinas, camuflando-nos geralmente em serviços domésticos. Agora, o tempo é outro. É desse tempo que vou falar”. (Criação crioula, nu elefante branco, p. 59)

Em texto de 1982 já demonstrava preocupação com o “papel da escola como instrumento de transmissão e de reforço às ideias e práticas racistas”, e defendia a inclusão nas escolas de ensino fundamental e médio de estudos sobre a cultura e a história afro-brasileiras, como forma de combater o branqueamento e estereótipos racistas. A autora citava como exemplo as experiências bem-sucedidas realizadas pelo Centro de Cultura Negra, do Maranhão, e pelo Núcleo Cultural Afro-brasileiro, da Bahia.

Por ocasião do centenário da Abolição, Esmeralda Ribeiro publicou o volume de contos Malungos e Milongas, em que a condição afrodescendente aflora em toda sua dimensão, com destaque para o tom militante que denuncia a discriminação dos irmãos de cor no contexto da sociedade “cordial” instalada nos trópicos.

No momento, é responsável, junto com Márcio Barbosa, pela direção do projeto cultural Quilombhoje e pela coordenação editorial da série Cadernos negros, atualmente no quadragésimo ano de existência. A escritora está presente em diversas antologias de prosa e de poesia negras, tanto no Brasil quanto no exterior.

 

Fonte da biografia e foto: http://www.letras.ufmg.br/literafro

 

 

De: Cadernos negros 19, Í996:

 

 

 

Enigma do amor

 

Há uma ilha
há marfim

há tristes arquipélagos em mim.

 

Sou aquela atriz que ensaia
todos os dias
o mesmo caso de amor
vivido por um triz.

 

Dentro de mim

solidão vestida de Arlequim.

 

Sou aquela cheia de hematomas,
as que faz do corpo relva
com aroma de canela
pro seu nego dormir.

 

Dentro de mim

ilusões traçadas à nanquim.

 

Sou aquela mulher

tentando despertar belas adormecidas
mas, no íntimo, sou eu a princesa
em profunda letargia.

 

Dentro de mim

força guerreira vestida de cetim.

 

Sou aquela que à noite
esconde como camaleão
gotas de pérolas d'olho
na cálida paixão.

 

Dentro de mim

enfim mora

o enigma do amor.

 

Sou aquela que nenhum verbo traduz
diante da solidão e da dor
aquela que tem atitudes insanas
Esta sou eu, a eterna

Maria Joana.

 

 

 

 

In: Cadernos negros 31, 2008:

 

 

 

Ensinamentos

 

 

Ser invisível quando não se quer ser
é ser mágico nato.

 

Não se ensina, não se pratica, mas se aprende.
No primeiro dia de aula aprende-se
que é uma ciência exata.

 

O invisível exercita o ser "zero à esquerda"
o invisível não exercita a cidadania.
As aulas de emprego, casa e comida
são excluídas do currículo da vida.

 

Ser invisível quando não se quer ser

é ser um fantasma que não assusta ninguém.

Quando se é invisível sem querer

ninguém conta até dez

ninguém tapa ou fecha os olhos

a brincadeira agora é outra

os outros brincam de não nos ver.

 

 

Saiba que nos tornamos invisíveis

sem truques, sem mágicas.

Ser invisível é uma ciência exata.

Mas o invisível é visto no mundo financeiro

é visto para apanhar da polícia

é visto na época das eleições

é visto para acertar as contas com o Leão

para pagar prestações e mais prestações.

  

 

E tanto zero á esquerda que o invisível

na levada da vida soma-se

a outros tantos zeros à esquerda

        para assim construir-se humano.

 

 

CADERNOS NEGROS.   Volume 23.   Poemas Afro-Brasileiros.   Organizadores: Esmeralda Ribeiro  e  Márcio Barbosa.  Capa: Foto J.C. Santos.  São Paulo: Quilombhoje, 2000.   120 p.  14 x 21 cm.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Adiantamos três poemas o livro:

 

 

CENAS E EMOÇÕES

 

I

gravando!

 

Sabe, meu guri,
na nossa casa, além do cálido cheiro do gim
ficaram teus olhos colados em mim.
Aqui dentro d aminha Casa passam cenas
da tua infância,
infância que derreteu meus sonhos nos teus,
te dei colo
dormias entre lendas e contos,
te dei letras de sopa
te cuidei
cuidados iguais aos dos antigos reis africanos.

Na passagem do tempo
me zanguei tanto.
Será que um dia farei um poema
que mostrará quase nus
os lábios da rosada flor
de onde tu saíste?

 

III


queria fugir do meu corpo,
falavas comigo como se eu fosse uma estranha,
fui eu Maria Madalena porque enxuguei
teu rosto e levei a tua cruz
?
Eu era uma qualquer,
eu era no meu silêncio que assoprava
as velas que o tempo autoritário
acende todo ano para mim.
Tu dizias que eu era erva daninha,
mas tu não percebias
minhas lágrimas limpando
tua roupa suja.
Sabe, dentro da minha Casa mora alguém que,
para viver a tua vida,
guardou as fantasias sexuais no colchão.
Lá dento mora alguém que deixou de agarrar
a trança colorida da felicidade.

 

IV

 

me joguei no lixo para procurar
meus projetos, minhas culpas, meus erros.
Procurei como uma desesperada o molde
do modelo educacional rascunhado por alguém.
Se eu quiser colar os sonhos picotados da minha Casa,
terei que costurar com linha de algodão e agulha.
Será que num mergulho em tudo aquilo que eu li,
nas terapias que fiz para entender as nossas vidas,
encontrarei a forma e o conteúdo
para fazer um poema em tu nome?

 

 

 

 

Página publicada em fevereiro de 2020


 

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