EMILIANA DELMINDA
DELMINDA, Emiliana. Fragmentos d´alma (versos). Ribeirão Preto, SP: Typographia Anglo-brasileira, 1918. 15x18,5 cm. No frontispício, uma imagem da autora. Col. A.M. (EA)
Relíquias
Nesta velha caixinha abandonada,
que a ação do tempo fez mudar de cor,
retalhos de minh’alma emocionada
guardei, outrora, com carinho e amor...
Relíquias... Eram cantos de alvorada,
e hoje traduzem nostalgia e dor.
Restos mortais de uma ilusão dourada,
vago perfume de sidérea flor.
Ai, tudo o vento do destino leva:
A luz se apaga e, a divagar em treva,
erram lembranças que doridas são!
Na vida é tudo assim! Tudo envelhece
mas, dentro d’alma o sonho não fenece
e o coração... é sempre o coração.
NOS CAMPOS DA BOCAINA
Tive meu berço ali, á sombra dos coqueiros,
das montanhas azuis na fralda vicejante,
onde o eco repete o canto dos tropeiros,
onde solta a araponga o grito lancinante.
Na rede de tucum, pendente dos pinheiros
embalei-me ao luar de noite fascinante
brinquei sob um doce! de flor dos pessegueiros
com as pedrinhas gentis da fonte sussurrante.
Cresci n'aquelle doce e meigo isolamento,
no loiro macegal curvado pelo vento
das seriemas ouvindo o canto matinal;
e, à monótona voz de prateadas cachoeiras,
dormi no leito azul de lindas trepadeiras,
de amor acalentando o meu primeiro Ideal.
RESIGNADA
Meu coração é morto e jaz num ataúde
— o peito — sepultura abandonada e fria:
a lira transformada em fúnebre alaúde
geme, á luz do Luar —um salmo de agonia.
Da vida este lutar insano, fero e rude
meu estro sepultou em negra penedia;
mas, do Ideal cor de rosa em lúcida amplitude,
minh'alma vive e sonha em torno da Poesia.
E um lampejo de vida aurífero ilumina '
minha estrada a seguir. E a crer n'essa mentira,
distingo mais fulgor na estrela peregrina,
mais encantos no eco de esplendida safira!
E, si a dor do martírio essa ilusão fulmina,
— abraço minha cruz e choro sobre a lira !
Página publicada em dezembro de 2012
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