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EDUARDO DE OLIVEIRA
Nasceu na cidade de São Paulo em 6 de agosto de 1926. Advogado, jornalista e professor... e poeta, sobretudo. Ativista em defesa dos direitos humanos.
“Eu levanto aqui
na voz dos que não podem falar;
No grito afogado na garganta
no desespero disforme da
mudez implacável.”
B A N Z O
Ao meu irmão Patrice Lumumba
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d´África
pendurado na noite do meu povo.
Trago em meu corpo a marca das chibatas
como rubros degraus feitos de carne
pelos quais, as carretas do progresso
iam buscar as brenhas do futuro.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d´África
pendurado na noite do meu povo.
Eu vi nascer mil civilizações
erguidas pelos meus potentes braços;
mil chicotes abriram na minh´alma
um deserto de dor e de esperança
anunciando as tragédia de Lumumba.
Eu sei, eu seis que sou um pedaço d´África
pendurado na noite do meu povo.
Do fundo das senzalas de outros tempos
se levanta o clamor dos meus avós
que tiveram seus sonhos esmagados
sob o peso de canga e libambos
amando, ao longe, o sol das liberdades.
Eu sei, eu seis que sou um pedaço d´África
pendurado na noite do meu povo.
Eu sinto a mesma angústia, o mesmo banzo
que me encheram, tristes, os mares de outros séculos,
por isso é que ainda escuto o som do jogo
que fazia dançar os mil mocambos...
e que ainda hoje percutem nestas plagas.
Eu sei, eu seis que sou um pedaço d´África
pendurado na noite do meu povo.
Balouça sobre mim, sinistro pêndulo
que marca as incertezas do futuro
enquanto que me atiram na enxergas
aqueles que ainda ontem exploravam
o suor, o sangue nosso e a nossa força.
Eu sei, eu sei que sou um pedaço d´África
pendurado na noite do meu povo.
NEGRA É A COR DA MINHA PELE
Nada fui! Nada sou! Nada serei,
só porque negra é a cor da minha pele!
Mesmo que tudo eu dê, pouco terei
nesta Sodoma, em que a ambição a impele!
Diante desses racistas é que eu hei
de amar o bem, antes que a dor revele
que, por ser negro, ainda sustentarei
seu império que, a tempos, me repele!
Eu represento a espécie sofredora
de indivíduos anônimos, de párias,
atores de uma história aterradora!
Pobre do Negri! Pobre de quem sonha
como eu, que dentre as almas solitárias,
sempre pude ser a mais tristonha...
(De: Túnica de ébano: sonetos e trovas, 1980)
***
Gestas líricas da negritude
Eu quero ser no mundo uma atitude
de afirmação que, unicamente, cante
com poderosa voz, tonitruante,
A Gesta Lírica da Negritude...
Serei na vida o intransigente amante
de sua nobiliárquica virtude,
e, como alguém que entoa ao alaúde
uma canção, eu seguirei adiante...
Eu seguirei feliz, de braços dados
com meus irmãos dos cinco continentes...
que todos amam, porque são amados.
E quando se ama a Humanidade inteira,
os ideais - por mais nobres, mais ardentes -
irmanam-se numa única bandeira.
Túnica de ébano
Dentro de minha túnica africana
há um coração que a própria dor abarca,
a oscilar, como um pêndulo que marca
toda essa angústia da tragédia humana!
Do meu ser, cor de ébano, dimana
um profundo torpor e pranto encharca
de ânsias o império de que sou monarca,
dentro da minha túnica africana!
Se padeço, não sei. Só sei que, agora,
não mais tenho da vida aquele encanto
que ternamente me envolvera outrora!
Restando-me tão pouco por viver,
sinto, contudo, inda restar-me tanto
na saudade de tudo que eu quis ser...
Publicado em maio de 2012 |