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DORI CARVALHO
Dorival Querino de Carvalho nasceu em São Joaquim da Barra, em São Paulo, no dia 11 de junho de 1955. É ator, tendo trabalhado em peças como "Elogio da preguiça", de Márcio Souza, e "Aouela outra face da tribo", de Aurélio Michiles. A partir de 1978, passou a residir em Manaus, onde se dedica aos livros e ao teatro. Obra poética: Desencontro das águas (Manaus, I 986), Paixão e fúria (Manaus, 2004).
POESIA E POETAS DO AMAZONAS. Organizadores: Tenório Telles Marcos Frederico Krüger. Manaus: Valer, 2006. 326 p. Ex. bibl. de Antonio Miranda.
As Tetas do povo
fiquem aí os senhores
mamando nas tetas
do povo
enouanto o povo
mama nas tetas das pedras
cuidado muito cuidado senhores
Qualouer dia
as pedras viram armas
qualquer dia
a fome vira raiva
qualquer dia
a casa cai
(Desencontro das águas)
Desconfiança
sou um menino
Que trazia no peito
uma frase de Ho Chi Mihn:
O homem é bom por natureza
sou um homem
que trazia na cabeça
uma frase de Sartre:
O homem é fruto da sua existência
e tantas tantas outras
hoje sinto
Que a desconfiança vive insuportavelmente em mim
feito câncer
crescendo todo dia
(Ibidem)
Corações milenares
Para Ana, amada
das tantas vezes
que nos encontramos
ainda recordo
estávamos aos beijos
na arena romana
enquanto os leões
trucidavam os cristãos
fazíamos amor
nos porões fenícios
enquanto eles guerreavam
tu nunca foste
bailarina egípcia
nem eu faraó
éramos servos
enquanto tu curavas feridas eu fazia pobres versos
na santa inquisição
não fomos queimados na fogueira
fazíamos loucuras
escondidos dos padres
e sempre um mistério
na segunda guerra
não éramos de resistência
nem nazistas, fugíamos das bombas
para amar em algum paiol
tantos encontros
tantos lugares
e sempre um mistério
no império inca
no império austro-húngaro
não éramos vítimas
nem réus sanguinários
passávamos ao largo
polindo desejos e ornamentos
entre beijos e armaduras
nem vimos a guerra de tróia
tão alucinados estávamos de sonhos
e sempre um mistério
uma vez sim, fomos deuses
dionísio e diana
numa noite de carnaval
no início do século
no mais
sempre fomos plebeus
apaixonadamente plebeus
eu sempre arteiro
tu sempre curativa
e sempre um mistério
nos cortava
nos partia
nos separava
um corte em nossas carnes
uma partida inesperada
uma separação de corpos
sempre um mistério
e estranhas cicatrizes
sempre o grande amor
e eternas guerras internas
no final do século vinte
eu era só um menino
tu eras só uma menina
perdidos e apaixonados.
(Paixão e fúria)
(Paixão e fúria)
Página publicada em novembro de 2020
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