DÉCIO BAR
(São Paulo, 1943-1989)
Suplica
Por estradas de tempo
vaguei pelo espaço.
Os olhos vazios de muito não ver,
cansei e parei.
Deixei sonhos em rotogravura,
pálidas meninas em verdes olhos,
sisudos homens, voleios de arte
e esvaí-me.
Defequei minh'alma
e fiz-lhe acalanto de nulidade.
Faltaria que rne rnatasse
mas restaria a dúvida.
Não a hamletiana
ser-ou-nao-ser do porvir,
mas a covarde, chã e feminil
dúvida do que teriam feito vocês
se eu não tivesse morrido.
Abro a janela, meu espírito vagueia,
meu corpo estremece.
Na rua o carro de lixo:
"São Paulo não pode parar!".
Eu quero parar,
não tenho vocação para santo.
Só tenho meu cansaço e esse tédio
que é a noite de bodas de ouro
do meu consórcio com a vida.
Quero parar: "um dia..."
é pouco e muito longe.
Sei que não posso ficar,
sei que não quero ir,
sei que não consigo parar.
De ANTOLOGIA POÉTICA DA GERAÇÃO 60. ÁLVARO ALVES DE FARIA; CARLOS FELIPE MOISÉS, organizadores. São Paulo: Nankin Editorial/ Instituto Moreira Salles, 2000.
Página publicada em setembro de 2009.
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