DALILA TELES VERAS
Dalila (Isabel Agrela) Teles Veres, Natural do Funchal, Ilha da Madeira, Portugal, (1946), vive no Brasil desde 1957.
Autora de diversos livros, nos gêneros poesia, crônica e “Minudências”, um diário literário do ano de 1999. Colabora regularmente (crônicas, ensaios e textos literários) em jornais e revistas do Brasil e exterior.
É filiada à União Brasileira de Escritores, SP, entidade em que ocupou os cargos de secretária geral, diretora e membro do Conselho, nas gestões de 1986/88, 1990/92 e 1994/96.
Vice-Presidente do Instituto de Estudos Fernando Pessoa, em São Paulo.
Co-fundadora do Grupo Livrespaço de Poesia (1983-1994) de intensa atuação na divulgação da poesia e co-editora da revista literária livres paço, ganhadora do Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, como melhor realização Cultural de 1993.
Extraído de
A CIGARRA – Revista Literária. ANO 15 – No. 32 – Fevereiro 1998. Santo André, SP.
VERAS, Dalila Teles. Retratos falhados. Entrevista por Floriano Martins. Artista convidada: Constança Lucas. São Paulo: Escrituras, 2008. 119 p. (Poesia portuguesa) 13,5x20,5 cm.
Do amor e seus silêncios
No destempero e ardências
da fúria inaugural
a palavra sem proveito
(verbalização de corpos)
No rito já maturado
do caminho reconhecido
a muda comunhão
(frêmito de carne e espírito)
Urgências mitigadas
os silêncios primordiais
já agora interpretáveis
(epifania outonal)
O silêncio dos espelhos
(lembrando Borges)
Nus e silêncios
coabitam meus espelhos
(mergulho
e
espanto)
abismos refletidos
nova e (irre)conhecida
história
Memória
Em meu dedo
o teu dedal
(tento, mãe
costurar tua memória
prender-te ao que me resta)
Incertos pontos
que a vista embaçada
não deixa urdir
O silêncio dos espelhos
(lembrando Borges)
Nus e silêncios
coabitam meus espelhos
(mergulho
e
espanto
abismos refletidos
nova e (irre)conhecida
história
Pensamentos luxuriosos
Ver-te.Tocar-te.Que fulgor de máscaras.
Hilda Hilst
Pensava nele
quando a seda do vestido
tocou-lhe as coxas
eriçando-lhe os pêlos
(asas a roçar o espírito
tocha a incendiar a carne)
Pensava nele
quando a voz de Maria Callas
alcançou a nota mais aguda
- L’atra notte in fondo al mare –
invocando Mefistofele
(setas fálicas a zumbir junto aos ouvidos
aromas de sândalo a embebedar os sentidos)
De tanto nele pensar
Devorou a si própria
l u x u r i o s a m e n t e
(espírito só carne)
Dias de ira
Ira furor brevis est
Horácio
No furor mais insano
dos ardores intensos
a marca da traição
: revoltos sentidos
Nos braços da ira
a lava das palavras
tatua impropérios
: inesperada queimadura
(por fim)
Compaixão e ungüentos
compressas frias
gestos de paz
: ardências já cinzas
Extraídos de RETRATOS FALHADOS (São Paulo: Escrituras, 2008).
Exemplar doado por Aricy Curvello para a Biblioteca Nacional de Brasília.
VERAS, Dalila Teles. Pecados. Santo André, São Paulo: Alpharrabio Edições, 2006. Sete cadernos soltos ilustrados com desenhos de Perkins T. Moreira. sobre papel manteiga coladas nos cadernos. Acondicionados em envelope de cartolina. Projeto gráfico: Luzia Maninha e Isabela A.T. Veras. 13x18 cm. Tiragem: 200 exs., Ex. n. 160, assinado pela autora. Col. A.M.
GULA
VERAS, Dalila Teles. Vestígios. Santo André, SP: Alpharrabio Edições, 2003. 40 p. 12x18 cm. Tiragem: 200 exs. Exemplar n. 164 assinado pela autora. Coleção A.M. (EA)
Terapia intensiva
A ceifeira ronda
à volta das máquinas
ao redor dos tubos
no ar infectado de dor
- sombra indesejável
A ciência brinca
experimenta, põe e tira
mórbido esconde-esconde
fingida presença de Deus
Um corpo respira
(a máquina opera o milagre)
um corpo não mais senhor
do gesto, do gosto/ do querer
corpo, cobaia, objeto
à mercê do progresso
A ceifeira espera
e sabe da hora
A ciência não
A morte e a morte
A morte
não é a lembrança
de um corpo não mais
corpo
de uma trajetória sonâmbula
em direção ao sepulcro
do barulho seco e indiferente
da pá do pedreiro
finalizando a função
A morte
é a constatação
(real, insuportavelmente real)
um nome e duas datas
gravadas em metal
na lápide silenciosa
VERAS, Dalila Teles. Solilóquios. Santo André, SP: Alpharrabio Edições, 2005. 36 p. 12x18 cm. Tiragem: 200 exs. Exemplar n. 153 na Col. A.M (EA)
Do amor e seus silêncios
No destempero e ardências
da fúria inaugural
a palavra sem proveito
(verbal ização de corpos)
No rito já maturado ,
do caminho reconhecido
a muda comunhão
(frémito de carne e espírito)
Urgências mitigadas
os silêncios primordiais
já agora interpretáveis
(epifania outonal)
No jardim
Na densa tarde
de quietude mais
os amados silenciam
Suspeitam
da impossibilidade de um bis
(jamais alguém se banha na mesma luz)
Um pássaro descuidado
passa e canta
a dizer que viu
VERAS. Dalila Teles. Estranhas formas de vida. Santo André, São Paulo: Dobra Editorial, Alpharrabio Edições, 2013. 64 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-8282-001-8 “Orelhas” com texto de Carlos Felipe Moisés. Capa e um desenho de Constança Lucas. Col. A.M.
homem-tração
"Assim devera eu ser
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão."
Formiga Bossa Nova, Alexandre O' Neill / Alam Oulman
colhem
latas, caixas, vidros, papéis
(misserável quinhão
no latifúndio consumísta)
brancaleônicas figuras
recolhem e carregam
(penas - carga brutal)
carregam e caminham
caminham e descarregam
(elas próprias, descartes
menos-valia
não armazenável
ração restrita à hora
incerta e presente)
homem-placa
"Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não"
Povo que lavas no Rio, Pedro Homem de Melo / Joaquim Campos
o homem
(sentidos ausentes
anúncio-mudo-trêmulo)
posta-se no cruzamento
suspeito
(nadas ao vento)
o corpo-estandarte
alugado, aguarda
(olhares perdidos) o
fim da jornada, o
curto soldo
incompatível
com tão longo dia
VERAS, Dalila Teles. Madeira : do sonho à saudade. Edição brasileira. Santo André, São Paulo: Alpharrabio Edições, 1997. 36 p. 13,5x20 cm. Col. A.M. (EA)
VINDIMA
Verão e vindima.
Até ao lavar dos cestos, vindima e Verão.
Os cestos vão cheios de cantares
voltam pesados de suores e cachos.
Rubros símbolos, caminhando prós lagares
prensagem de bagos e corpos.
Os pés lavados, lépidos e leves
dançam a pisa de Baco.
A prova do mosto, deixa o riso à mostra
- são vinhas do senhor.
Resta o aguapé - último dos sumos
supremo esforço - derradeiro cantar.
As botas já estão calçadas
só os pés guardam as tintas
do final do vindimar.
COADJUVANTES
Tachos e tinas
vespertinas, vão as mulheres
na vindima, coadjuvar.
Água quente, morno gesto
de quem não sabe por certo
a idade deste lavar.
Helénica herdade
perdida em séculos
de mil lagares.
Tirada a borra - último proveito
ao tonel - escuro leito
da necessária hibernação.
O Verão, agora, é apenas o dourado
de uma mecha de enxofre no barril.
VERAS, Dalila Teles. Apontamentos: álbum de viagens. Santo André, SP: Alpharrabio Edições, 2009. 16 p. 8,5x14 cm. “este mimo bibliográfico foi composto e impresso manualmente na tipografia luar do mestre Raul”. Conceito criativo: Fátima Roque e Luzia Maninha. Tiragem: 92 exs. Exemplar n. 23 na Col. A.M.
Funchal
eis-me aqui, aliciada à tua luz
desenhada em teus contornos
mesclada às pedras de tuas ruas...
A tia de olhos muito verdes
apontava-me o mar e seus
navios...
A Tia não mais...
A poeta não mais embarca
nem comanda os sonhos
para além dos navios...
os navios são só navios
a despejar turistas
nesta ilha (ligada ao mundo)
cada vez menos ilha
cada vez mais lembrança
cravada na memória.
VERAS, Dalila Teles. À janela dos dias: poesia quase toda. Santo André, São Paulo: Alpharrabio Edições, 2002. 16 p. 7,5x10,5 cm. “falsos haicais” Col. A.M.
crescem as tentações
como pêlos
buço Indesejável
palavra irada
pedra atirada ao léu
fere sempre o mais querido
folha madura estala
sábia, a terra a recolhe
húmus para a memória
chuva
o calendário molhado
inverte estações
VERAS, Dalila Teles. Forasteriros registros nordestinos. Santo André, SP: Edições Livrespaço, 1991. s.p. 11x21 cm. “registros poéticos” com a “maneira lacônica usada pelo piauiense para se comunicar”. Col. A.M.
III
Solitária garça
mergulha no rio
solitário homem
atira a tarrafa
fatalistas, bem sabem ambos
da incerteza do gesto
IV
A casa de pau-a-pique
não previu as chuvas
barro e cipós secos
frágeis laços desatados
ao soprar do primeiro vento
V
A barriga
fole prenhe programado
sem memória de prazer
VI
Nus
os meninos no rio
vermes no ventre cresci
sublimam a fome
brincando de mata-o-boi
Vil
Trôpegos e pândegos
ufanam-se os homens
da fantástica sentinela
animada a lorotas e cachaça
Na morna manhã
nenhum voluntário carrega
o abandonado defunto
VIII
Quadrilhas dançam
em junina comemoração
Joões, Antônios e Pedros
tra vestidos de caubóis
dançam ao som de rock e lambada
sincréticos passos
em profanada tradição
VERAS, Dalila Teles. Se. Santo Andre, SP: Alpharrabio Edições, 2012. s.p. (Coleção Mimo) 10,5x7 cm. Tiragem: 92 exs. Exemplar n. 60 na Col. A.M.
VERAS, Dalila Teles; GALLET, Guedo. Poesia do intervalo. Dalila Teles Veras (textos); Guedo Gallet (desenhos). São Bernardo do Campo, SP: Alpharrabio Edições; Bartha Gráfica, 2005. s. p. 23x32 cm. Projeto gráfico: Fabricando Ideias. Tiragem: 200 exs. assinados pelos autores. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
O silêncio que antecede o poema
é outro poema
O silêncio que sucede o poema
é outro poema
O poema
:
poemas
(lembrando Santiago Kovadloff)
segunda 1º /04/04
Tarde afora
carreguei um verso
(ideia de instaurar um poema)
Falava de mulheres e isolamento
e de algo semelhante a orfandade
Se bem me lembro
falava de efemérides
e da inutilidade dos calendários
Nesta hora, porém
de poesia e intervalo
a única palavra resgatada é
desterro...
(enganosa memória
a preparar armadilhas )
segunda 8-3-04
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