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LUIS SILVA
Cuti é pseudônimo de Luiz Silva. Nasceu em Ourinhos-SP, a 31.10.51. Formou-se em Letras (Português-Francês) na Universidade de São Paulo, em 1980. Mestre em Teoria da Literatura e Doutor em Literatura Brasileira pelo Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp (1999/2005). Foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje-Literatura, de 1983 a 1994, e um dos criadores e mantenedores da série Cadernos Negros, de 1978 a 1993.
Biografia completa em https://www.cuti.com.br/
De: Poemas da carapinha, 1978:
Sou negro
Sou negro
Negro sou sem mas ou reticências Negro e pronto!
Negro pronto contra o preconceito branco
O relacionamento manco
Negro no ódio com que retranco
Negro no meu riso branco
Negro no meu pranto
Negro e pronto!
Beiço
Pixaim
Abas largas meu nariz
Tudo isso sim
- Negro e pronto! -
Batuca em mim
Meu rosto
Belo novo contra o velho belo imposto
E não me prego em ser preto
Negro pronto
Contra tudo o que costuma me pintar de sujo
Ou que tenta me pintar de branco
Sim
Negro dentro e fora
Ritmo - sangue sem regra feita
Grito - negro - força
Contra grades contra forcas
Negro pronto
Negro e pronto
Eu negro
Areia movediça na anatomia da miséria
Pano-pra-manga na confecção apressada de humanidade
Chaga escarnada contra o risco atómico dos ladrões
Espinho nos olhos do aquecimento feliz de ontem
Eu
Eu feito de sangue e nada
De Amor e Raça
De alegrias explosivas no corpo do sofrimento e mágoa.
Ponto de encontro das reflexões vacilantes da História Esperança fomentada em fome e sede
Eu
A sombra decisiva dos iluminismos cegos
O câncer dos humanismos desumanos
Eu
Eu feito
De amor e Raça
De alegrias incontroláveis que arrebentam as rédeas dos sentimentos egoístas
Eu
Que dou vida às raízes secas das vegetações brancas
Eu
Ébano que não morreu no temporal das agressões doentias Força que floresceu no tempo das fraquezas alheias
Feito de Amor e Raça
E alegrias explosivas.
De: Cadernos negros 19, 1996:
Cultura negra
ariano afago
sobre a suposta acocorada
infância nossa
a cor sim
e não
reelabora elegbara
orixás não tomam chás de academias
tampouco em mídia sui-seda
cedem
poema de negrura exposta
tece vida
na resposta
abrindo a porta enferrujada de silêncio
explode um coice
o bode
entre folclóricas nuvens e teses
de negócios afagos
alvos a-tingidos desesperam
em busca de tambores
ritos
puros mitos
em águas paradas
de poemas pardos
que lhes salvem da chuva de negrizo
CADERNOS NEGROS. Volume 23. Poemas Afro-Brasileiros. Organizadores: Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa. Capa: Foto J.C. Santos. São Paulo: Quilombhoje, 2000. 120 p. 14 x 21 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
“Creio no vôo das palavras e na
capacidade que elas têm de semear
novos sentidos de existir
Selecionamos três poemas do livro:
S E M O G U I A N A
preto de ser querendo
no mais íntimo
no mais ótimo
o sereno prazer de ser
o coração da própria sombra
R E S G A T E
gueto e quietude encurralados
dentro do próprio
rio de encantos passados
hoje resgato
re-gueto
e não bastam
toscos totens atônitos
sem dentro
ante os múltiplos
milagres técnicos
aconchego-me no côncavo deste abraço
ancestral
adormeço de cansaço
lanças de outrora
já não servem
para defender o sonho
enquanto balas e mísseis
cruzam o espaço em direção à morte
somente deste fogo-afago
desferidas
para incendiar ao menos
de liberdade
um coração
T R I N C H E I R A
falaram tanto que nosso cabelo era ruim
que a maioria acreditou
e pôs fim
(raspouqueimoufrisoutrançourrelaxou...)
ainda bem que as raízes continuam intactas|
e há maravilhosos pêlos crespos
conscientes
no quilombo das regiões
íntimas
de cada um de nós
Página publicada em fevereiro de 2020
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