CLEBER JUNIO FALQUETE
Natural de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, onde reside. Graduado em História. Poeta e contista. Já publicou os livros O eco celeste das armaduras secretas, guardadas em céus claros de domingos ignorados (THS Editora, 2011) e Ossuário de Cavalos-marinhos (Vitrine Literárias, 2014) — ambos receberam o Prêmio Nelson Seixas, da Secretaria de Cultura de São José do Rio Preto, SP.
FALQUETE, Cleber Junio. Ossuário de cavalos-marinhos. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária, 2014. 93 p. 13x20,5 cm. ISBN 978-85-64166-34-9 Capa: Luciano Paula de Almeida. “Cleber Junio Falquete” Ex. bibl. Antonio Miranda
COLHEITA INFRUTÍFERA
Eu lhe colhi
no calor da ensolarada manhã
as mais frescas e polpudas palavras.
E das raízes
da dura terra lavrada
as mais tenras escolhi.
E as pousei, todas lavadas
com minúcias, atenções e cuidados,
sobre a toalha branca de renda
e de dias bordados.
Desatendo,
(talvez insensível ao esforço sincero do meu lavor)
você as embrulhou
sem fé e sem rancor,
com as velhas notícias do jornal do dia.
Mastigou-as devagar e sem amor
e desinteressado engoliu-a
com o café.
IN CONDICIONAL
Retiro a grade
das minhas palavras.
Mas é você
quem as conduz
em linhas
arbitrárias.
IRRETRATÁVEL
Esse retrato não é meu.
Acredite. Esse esboço não sou eu.
Sei reconhecer-me.
Por certo é um outro.
Talvez eu já o tenha visto um dia,
sentado distraído num banco de praça,
fumando perdido em alguma esquina
ou até colhendo mangas à tarde.
Desculpe-me, mas eu não o reconheço.
Eu o recuso,
mas apenas porque sei que não sou eu.
Olhe,
não tenho essa boca aniquilada,
não tenho esse nariz inerte,
não tenho esses olhos limitados.
Minhas orelhas não são como essas, subterrâneas,
e os sulcos da testa aprumam-se intocáveis,
nessa face de besta.
Repito: esse retrato não é meu.
portanto, por favor,
tire outro
que seja
menos
eu.
BAILADO
No baile das lembranças
as saudades é que ditam
os ritmos e as danças.
FALQUETE, Cleber Junio. corponexões. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2017. 108 p. 12,5x16,5 cm. Ilus. p&b Apresentação por Sidnei Olivio. Capa e ilustrações por Luciano de Paula Almeida. ISBN 978-85-64166-66-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
íntimo litígio
como réu de mim
não ouso enfrentar
um júri de consciências
basta-me o veredicto
de meu juízo: inocente
ou culpado
não importa o pecado
eu sempre serei condenado
pela absolvição
de minhas dúvidas
orquídeas febris
em meu jardim
não há céu e nem mar.
As terras estão inférteis
e na estiagem
uma colheita de cicatrizes
é tudo quanto há.
— há folhas mortas,
girassóis estuprados,
minhocas empaladas,
moscas moribundas,
lesmas leprosas,
ratos paraplégicos
sapos mórbidos,
larvas anoréxicas,
vísceras de borboletas.
nos dias invernais
florescem orquídeas
de intenções selvagens,
adubadas com a febre do desprezo.
rego-as com uma dose de veneno do silêncio,
diluído em ponche de águas paradas.
e da terra brota um botão de infâmias.
Homúnculo
no naufrágio de nosso amor
você emergiu decentemente
enquanto
eu
afundava
liliputi
a
na
mente
visão do inferno
uma bíblia
carcomida
por traças bulbosas
e açoitada
por labaredas de ódio
agonia em suplício
de suas parábolas.
corponexões
por fora
o calor ameaçava
o restante do dia
por dentro
a chuva refrescava
o avanço da noite.
fundo falso
bateu-lhe à porta
com um buquê
de respostas
e um sorriso
na mão.
desconfiada
ela despetalou-se
das perguntas
escondendo-as
no fundo falso
de um vago grego.
FALQUETE, Cleber Junio, Colhendo pequenas flores de silêncio no vasto deserto do som. Orelha do livro: Marcos Rodrigues. Prefácio: Luis Antônio Contatori Romano. Guaratinguetá, SP: Editoara Penalux, 2021. 116 p. 14x21 cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda
"Colhendo pequenas flores de silêncio no vasto deserto do som é, parafraseando momentos desta cativante obra, um convite para passearmos por primaveras que desabrocham sorrisos sonoros de intensas poesias. Em jardins encantados pela beleza das metáforas em pétalas (por vezes laminadas), ingerimos néctares e inalamos fragrâncias singulares." MARCOS RODRIGUES.
"Percebo, nesses poemas, ressonâncias da poesia conflituosa de Carlos Drummond de Andrade, homenageado na epígrafe do livro. Também reconheço certas ressonâncias surrealistas e expressões imagéticas que remetem ao haikai." LUIS ANTÔNIO CONTATORI ROMANO.
Sua assimétrica
gargalhada de hiena
intimida & converte
minha investida felina
em obediência canina.
*
Você adornou com flores
o seu bilhete de adeus.
Anos depois, o papel secou.
Mas as flores vingaram.
*
Uma revoada
de pardais
sobrevoa
o pasto
das lembranças.
*
O peixe da manhã
não se martiriza
no anzol
pelos pecados pescados
no fosso da noite.
*
A viagem do poema começa
com a exploração das cavernas
das palavras de espelhos quebrados
atravessa o fluxo dos reflexos nos cacos
& aterrissa orbitando o olhar:
— satélite da imagem—
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Página publicada em junho de 2021
Página publicada em maio de 2016; página ampliada em maio de 2013.
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