CIRO COSTA
Ciro Costa, nasceu em Limeira (SP), a 18 de março de 1879, filho do coronel José Ferreira da Costa e D. Antônia Montenegro da Costa. Bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo. Poeta primoroso. Possuidor de excelente bagagem literária, porém, não publicou, em vida, um só livro. O soneto Pai João, que faz parte de inúmeras antologias, tornou popularíssimo o seu nome. Além de poeta, era cronista e conferencista. Tomou parte na Revolução Constitucionalista de 1932, como soldado do Batalhão da Liga de Defesa Paulista, e combateu em Cunha na trincheira do Facão.
Faleceu a 22 de junho de 1937.
ROCA DO SONHO
I
A roca do meu sonho fia, fia,
Fia e tece, noite e dia,
Dia e noite, sem cessar!
E os finos, flébeis fusos esfusiam
Assobiam,
Rodopiam...
Como é lindo o meu tear!
II
Na primavera suave e prazenteira
Tem a minha fiandeira
Garridices de mulher...
Touca-se toda de gardênia e rosa:
Tagarela e caprichosa,
Fia e tece quando quer.
III
Maio sorri nas relvas de veludo,
Acarinha, afaga tudo...
O pólen fecunda a flor...
E os fusos cantam, tecem — que cuidado!
O linho do meu noivado
Na santa paz do Senhor!
IV
Irradia o verão. Vibram cigarras
Como clarins e fanfarras,
Como fanfarras triunfais!
Da roca do meu sonho eu te bendigo,
Ó fúlgido, bom amigo
Do meu tempo de rapaz!
V
Tempo em que, permutando juras loucas,
Se uniam as nossas bocas
No delírio de nós dois...
Tempo feliz em que o único desejo
Era morrer por um beijo
E ressuscitar depois!
VI
Quando a lua sonâmbula aparece,
O meu pobre sonho tece,
Doura o sonho o meu viver...
Caminho, entanto, para o outono triste:
A minha vida consiste
Em recordar e esquecer...
VII
As folhas vão caindo de mansinho,
Vão caindo no caminho,
Vão rolando pelo chão...
Lá se vão elas pela estrada fora...
Lá se vão elas embora,
As folhas caindo vão!
VIII
Tenho a vaga impressão do olhar que morre,
Duma lágrima que escorre,
Duma asa que vem e vai,
Do último adeus que se esboçou na vida,
Dolorosa e fementida,
Quando a folha voeja e cai!
IX
Chega, porém, o inverno. Álgido, o orvalho
Goteja de galho em galho...
Sopra, rijo, o vento Sul!
A roca rodopiando vai rangendo,
Rangendo, rouca e tecendo...
O céu é azul, todo azul!
X
Adormeço, pensando em ti... Que frio!
Tece a roca o tênue fio
Da ilusão que nos prendeu...
E eu sonho... sonho... e, em sonho, a alma adivinha
Que és e será sempre minha,
Que serei teu, sempre teu!
XI
O silêncio da noite é profundo,
Que o próprio anseio do mundo,
Palpita dentro de mim!
Como eu te sinto então! Como eu te chamo!
Só Deus sabe quanto te amo!
Nunca vi saudade assim!
XII
A roca do meu sonho fia,
Fia e tece, noite e dia,
Dia e noite, sem cessar!
E os fios, flébeis fusos esfusiam,
Assobiam, rodopiam...
Como é lindo o meu tear!
De Terra Prometida, 1938.
MÃE PRETA
Lúgubre, acaçapada, espiando no ermo, à beira
do açude da fazenda, a lua de opala,
com sussurros de reza ou rumores de feira,
via-se, num quadrado, a sordida senzala...
Sobre um velho jirau forrado de uma esteira,
ei-la, embalando ao colo – e com que amor na fala! –
o sinhozinho branco, a quem se dava, inteira,
até que, adulto, fosse, um dia, vergastá-la!
Sofre como ninguém! Com fervor nunca visto,
persignava-se ao ver céus azuis e montanhas:
Louvado seja Deus Nosso Sinhô – Suns Christo!
Na escravidão do amor, a criar filhos alheios,
rasgou, qual pelicano, as maternais entranhas,
e deu, à Pátria Livre, em holocausto, os seios!
PAI JOÃO
Do taquaral à sombra, em solitária furna,
(para onde, com tristeza, o olhar, curioso, alongo),
sonha o negro, talvez, na solidão noturna,
com os límpidos areais das solidões do Congo...
Ouve-lhe a noite a voz nostálgica e soturna,
num suspiro de amor, num murmurejo longo...
E o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,
é o urucungo a gemer na cadência do jongo...
Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos
a grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,
sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,
que os frutos do café são glóbulos vermelhos
do sangue que escorreu do negro escravizado!
HADAD, Jamil Almansur, org. História poética do Brasil. Seleção e introdução de Jamil Almansur Hadad. Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio Abramo. São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943. 443 p. ilus. p&b “História do Brasil narrada pelos poetas.
HISTORIA DO BRASIL – POEMAS
O CAFEZAL
Eis, pautando o horizonte, em cerradas fileiras,
As ondas de café perdendo-se de vista!
Derramam-se em caudais... São as velhas bandeiras,
Invadindo o sertão e pregando a conquista!
O Oceano de ouro verde assalta cordilheiras,
Colinas e espigões, na arrancada imprevista...
E a terra roxa ostenta e esculpe, pela leiras,
A esmeralda e o rubi no brazão do Paulista!
Sob a eclosão da flor — transmuda-se o Eldorado!
Há virgens comungando e bênçãos de noivado...
ET a Estrada de Damasco evoco, mentalmente...
Mas, quando se abre em fruto, — ó, santa eucaristia!
São Paulo, em penitência, assiste, à luz do dia,
À “Conversão” do suor escravo em sangue ardente!...
Página publicada em agosto de 2015
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