CELSO LUIZ MARANGONI
Celso Luiz Marangoni é poeta, publicitário e artista plástico. Publicou, entre outros, os livros "Gare 33", "Realejo Enguiçado" e "Viajante & outros silêncios".
(1º prêmio nacional acumulado de poesia e pintura em 2005, na décima edição do "Prêmio Lília Pereira da Silva"). Deu recitais na USP, no Tuca, Teatro Taib, Club Homs, União Brasileira de Escritores, Palas Athena e circuito universitário em diversas cidades brasileiras.
Realizou 12 exposições de quadros. Seus trabalhos estão em coleções particulares do Brasil, Estados Unidos e Suécia. Seu quadro “Infinito” foi publicado na primeira página da revista “Astronomy” (2006).
Também ministra palestras sobre Criatividade para empresas, grupos e associações.
MARANGONI, Celso Luiz. Viajante e outros silêncios. São Paulo: Massao Ohno Editora, 1987. s.p. ilus 14x20 cm. Apresentação (“orelha) de Jorge Medauar. Capa e ilustrações do autor. “ Celso Luiz Marangoni “ Ex. bibl. Antonio Miranda
FINITUDE
Do que me sei (e nada sei) sabendo
que nada sou e nada sei de mim
no só do tempo vou circunscrevendo
algo que sou: consciência de ter fim.
Princípio e termo é o estar vivendo.
Nada mais há que tanto embale e assim
projete o sonho do acontecendo
nisto que sou sem nem saber de mim.
E chave o existir (sem fechadura).
De um parto novo e nova contratura
renasce à frente o chão que já passou.
Não tem paisagem, nem lado, nem canto
pois tudo sou em nada ser. E quanto
menos me conheço tão mais me sou.
PRESENÇA
Eu sou o nome escrito na pedra
seiva de relva, casca de besouro,
pio de pássaro, chuva na floresta,
a água-mãe alimentando o touro
gravatá, avenca, pau-canela
e a névoa branca de tirar agouro
pingando orvalho nas folhas da alma
onde se esconde todo meu tesouro.
Eu amanheço nos confins da lua
e abro as portas da noite na rua
pra que incendeie a chama da ternura.
Sou o que passa a teu lado agora.
Sou o que fica quando vais embora
tão mais ausente quanto mais perdura.
GÊNESE
Tua é a presença e também a graça
e o teu devir de eterna plenitude
pois és a sede e também o açude
igual ao vinho fora de sua taça.
Imenso maia que já não ilude
teu tempo sem relógio nos transpassa
e o grito rouco de sermos tua caça
é a corda quieta do teu alaúde.
Sofre o teu nome por provar que existe.
É nisto apenas que tua dor consiste:
em revelar-te à carne que procura.
Nossa é a boca. Mas tua é a voz.
E no impossível desse rio sem foz
faz-se o incriado igual à criatura.
CONTRAMÃO POEMAS. 2ª edição. Aristides Klafe. Arnaldo Xavier. Celso Luiz Marangoni. Lucia Villares. Mauricio Merlini. Tadeu Gonçalves. Ulisses Tavares. São Paulo, SP: Núcleo Pindaíba Edições e Debates, 1978. 91 p. (Coleção PF) Capa e orientação gráfica: Ulisses Tavares.
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Não conversei com ninguém. Não disse bom
dia. Mastiguei o pecado alheio. Retirei o
alimento de todos. Matei o prazer do próximo.
Roubei a mãe e o pai e o amigo. Pequei
com o ar a folha verde e com a combustão.
Com a filha de telefone maltratei a pele
de aço do elevador. Não retirei a ofensa.
Não consultei o doutor. Refiz o inquérito
e decidi que assumiria o poder e ainda
fechava o congresso.
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Quando você focaliza em mim
esse olhar tão fixo assim
uma aranha fia uma fina fita de
cetim
que sai de você prá dentro de mim
**
Meu amado nasceu no mato
onde passou um tempo vivendo em galho.
Cada malho que me dá te um gosto
diferente de folha
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Cinco pratos de frango assado, um bolo
de nozes, um de chocolate, uma travessa
de bala de coco e três quilos de sorvete
esperando prá entrar na mesa depois
do já citado frango assado, um com molho
de curry, acompanhado de batatas
saltadas na frigideira e risoto com
ameixas e farofa com banana e um pouco de
purê de batata doce. No saleiro cocaína.
Tudo entoalhado de rendas portuguesas.
Solidão verde-amarela.
O Negrinho filho da cozinheira vem
cozido no molho de curry.
***
Cada cálice de vinha que tomo
traz em si um outro vinho.
(os pés de quem amassou as uvas?)
Quando amo alguém amo nele outro alguém
além de mim mesma.
A minha vida será o eterno trabalho
de transformar todas as coisas.
BOTE
Bóio
entre botos e espadas.
Navega bote sem porto
Coração desancorado
Inseto
A mancha de óleo que recobre a água.
Se mergulhasse ao fundo
não encontraria pedra.
Único porto:
saber navegar sem casco nem âncora.
Página publicada em julho de 2014. Ampliada em junho de 2018.
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