CAROL MAROSSI
Carol Marossi é uma advogada que brinca de ser poeta. Nascida em São José do Rio Preto, numa noite qualquer de maio de 1979, vive em São Paulo há 7 anos. Desconfia constantemente da própria lucidez e (ainda) acredita nas pessoas. Seu maior sonho é morar em uma livraria. http://hay-tomates.blogspot.com/
Do esquecimento
Não pensa mais, não mais:
o rosto dele fundiu-se
aos carros e pelas ruas
flutua incógnito, transpirando
brancos cravos e ceras.
Aquelas verdades nossas,
na impossibilidade das carnes,
teceram distâncias.
Desenhamos trilhas impossíveis:
sem volta.
Mas ainda se enroscam por entre os dedos
as mesmas esperanças débeis
e seguimos, insanos, como
uma velha rendeira cega
tramando infinitos.
Futuro insosso, o nosso
gravitando no prato de sopa
: frio, trincado.
De tudo, a saudade, esse
dormir sobre espinhos.
Extraído de:
TODO COMEÇO É INVOLUNTÁRIO - a poesia brasileira no início do século 21. Org. de Claudio Daniel. São Paulo: Lumme Editor, 2010. 328 p. ISBN 978-85-624-44-129-4
TODO COMEÇO É INVOLUNTÁRIO - a poesia brasileira no início do século 21. Org. de Claudio Daniel. São Paulo: Lumme Editor, 2010. 328 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
A noite. Tanta.
Escuro, a retina embaçada
Nada vejo. Você, talvez
Uma figura disforme
Caminhando através da porta
Entra-e-sai. Passaportes, vistos.
Europa, tantos países,
Pego o dicionário
Verbete: amor.
Definições abstratas,
Intangíveis.
Você, não se resume assim.
Talvez depois de taças vazias
Vinho, rakija, Dubrovnik
O quadro na parede
Clausura, saudade
A ausência: tanta!
Nossas línguas se embaralham
Aquele poema, você
Nada além.
Estrada infinita,
saio pela contramão
Memória: é isso.
Apague-se.
Cansaço, tanto. Durmo.
Em sonhos, talvez
O reencontro.
___
Acordo árida,
vestida de chumbo.
Lembro de Munique,
as densas noites
De uivos caninos.
E era verão
no sul.
Tão negro e viscoso,
tão como os dispositivos
de uma Halifax Law.
Mas os ecos chegavam
da Marienplatz
ressonando no meu peito,
prestes a lançar
uma ogiva nuclear.
Pé ante pé você invadia
a praça com seus imprestáveis
patins de gelo
(e era verão no sul).
Naquele quarto minha
alma degelava,
líquida como chumbo.
Do esquecimento
Não pensa mais, não mais:
o rosto dele fundiu-se
aos carros e pelas ruas
flutua incógnito, transpirando
brancos cravos e ceras.
Aquelas verdades nossas,
na impossibilidade das carnes,
teceram distâncias.
Desenhamos trilhas impossíveis:
sem volta.
Mas ainda se enroscam por entre os dedos
as mesmas esperança débeis
e seguimos, insanos, como
uma velha rendeira cega
tramando infinitos.
Futuro insosso, o nosso
gravitando no prato de sopa
: frio, trincado.
De tudo, a saudade, esse
dormir sobre espinhos.
Ballad o sad cafe
I
Eros e Tanatos.
Dizem que dançam
fox-trot desde que
o sol deitou sobre
o mar de Mykonos:
Fiat lux.
Então, querido, antes
que chicotes floresçam
na palma das mãos
e a mágoa apodreça o ar
Antes ainda da pena,
do desgosto, das línguas de fogo
antes que restem somente
assobios, olhares de chumbo
Que oceanos se
suicidem na areia.
II
Não. Beijo, mordo
nos flancos, injeto
primaveras no peito
E.V.
O músculo entoará
cânticos — lírios —
mezzo-soprano.
Sabe: não embarco
naquele trem.
III
Os amores mais brilhantes
apagam. O sol de maio
impõe suplícios. Tonturas,
amarras, ataduras.
Cicatrizes jamais lacradas:
Xanax.
IV
Beijo.
O universo perece. Sei.
Escravizo espíritos:
Assim.
*
Página ampliada e republicada em novembro de 2022
Página publicada em janeiro de 2011
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