Foto: credito miguel boyayan
CARLOS VOGT
Poeta e lingüista, nasceu em Sales Oliveira, estado de São Paulo. Possui vários títulos acadêmicos, entre os quais: Mestrado em Letras pela Universidade de São Paulo; Mestrado em Lingüística Geral e Estilística do Francês, na França, e Doutor em Ciências pela Unicamp. Recebeu em 2005 a comenda da Ordem do Mérito Científico, da Presidência da República e o título de doutor honoris causa da École Normale Supérieure de Lyon, na França. É Professor Titular na área de Semântica Argumentativa e coordenador do Laboratório de Estudos em Jornalismo da Unicamp. Com experiência acadêmica internacional na França, nos USA, Argentina e em outros países.
Foi reitor da Unicamp de 1990 a 1994 e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 2001 a 2005. Publicou vários livros, entre eles: Ilhas Brasil (poemas, Ateliê Editorial, 2002); A imprensa em questão (co-autoria, Ed. Da Unicamp, 1997); Mascarada (poemas, Pontes e Ed. da Unicamp, 1997); Cafundó – A África no Brasil (co-autoria, Companhia das Letras & Editora da Unicamp, 1996); A Solidez do sonho (Ed. Papirus e UNICAMP, 1993); Os melhores poemas de Guilherme de Almeida (Seleção e Comentários, Ed. Global, 1993); Metalurgia (poemas, Companhia das Letras, 1991); Linguagem, pragmática e ideologia (Hucitec, 1989); Crítica ligeira (Ed. Pontes, 1989); Nelson Rodrigues (co-autoria, Ed. Brasiliense, 1985); Publicou inúmeros artigos e ensaios em jornais, revistas e órgãos especializados nacionais e estrangeiros.
É diretor de redação da revista de divulgação científica, ComCiência, publicação eletrônica mensal, site: http://www.comciencia.br e da Patrimônio – revista eletrônica do Iphan, site: www.revista.iphan.gov.br. Foi editor-chefe da Ciência e Cultura, revista da SBPC, de 2002 a 2007 e da revista Inovação, de 2006 a 2007. Foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – apesp (2002-2007). Atualmente é Secretário e ensino superior do estado de São Paulo.
“Presentes na produção anterior, os poemas breves reaparecem sob o mesmo trato rigoroso de forma e fundo. Rigoroso sim, embora sem trair nisso qualquer esforço, o que é também indício da boa arte.” ANTONIO FERNANDES DE FRANCESCHI
Obra poética: Cantografia (1982); Paisagem doméstica (1984); Geração (1985); Metalurgia (1991); Mascarada (1997); Ilhas Brasil (2002); Poesia Reunida (2008).
" Terra de contrastes como sempre
tudo é igual a si e a seu contrário
o temporário segue permanente
e o permanente permanece temporário."
CARLOS VOGT
Angélica Torres, Carlos Vogt, Marisa Lajolo, Antonio Miranda e Julliany Mucury
na Biblioteca Nacional de Brasília no Tributo ao Poeta Carlos Vogt, na noite do dia 13 de maio de 2008. Angélica, Antonio e Jualinny fizeram a leitura dos poemas e a professora Marisa
Lajolo apresentou o perfil do homenageado, com o apoio da Fundação Conrado Wessel.
De
POESIA REUNIDA
São Paulo: Landy Ediora, 2008
TESTAMENTO
Pelas contas da memória amarradas em fios de anos
nada há de faltar no dia de meus últimos planos:
a árvore muda, o filho inédito, o livro pródigo.
Depois, a sementeira longa em cada gesto sólido
seja o princípio ou a viagem pronta,
se a terra árida, a pedra surda, o espaço código.
(De Geração, 1985)
DEZ AFORISMOS PARA DESCARTAR O MILÊNIO
I
Furo bom é o que
deixa vazar nada
antes da matéria
publicada.
II
O que a imprensa diz
de original num dia,
dia seguinte vira
sabedoria, no terceiro
vai com a água
o bebê e a bacia.
III
Não se fie nas grandes
revelações em geral
os fatos são modestos,
corriqueiros, banais;
o editor os veste de
espetáculo, o leitor consome
o inusitado para ir contra a
corrente nada mais.
IV
Se o cachorro morder
o homem, trivial;
se o homem morder
o cachorro, notícia.
Se o cachorro morder
o cachorro e o homem
o homem, malícia!
V
Contra a mordaça
liberdade de impressão.
VI
Caminha psicografado
por Monteiro Lobato,
psicografado
pela mídia/imprensa
psicografada
pelo sertanejo – country:
Brasil, plantando dá,
não plantando, dão.
VII
Na falta de fato,
o verão;
na falta da versão
o fato;
na falta dos dois,
a falta.
VIII
Apoiado na coluna
dos editoriais,
o leitor fotografa-se
para a posteridade
do dia seguinte.
IX
Um pouco de enredo
não faz mal à notícia;
se o fato é parco de
veracidade, vista-o de
verdade fictícia.
X
Carta ao leitor:
decifra-me
ou nos devoram.
(De Ilhas Brasil, 2002)
ILHA BRASIL
Quando descoberto
no atacado,
o Brasil avulso
já estava nu
com diversidade.
Vestidos pelo descobrimento,
seus habitantes
que aqui viviam,
os que antes vieram,
durante, depois e já
mais
os que nasceram desse intercurso
rasgaram na avenida
a fantasia
da igualdade.
(De Ilhas Brasil, 2002)
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DESPOJAMENTO
Deitou-se a céu aberto
com chuvas e trovoadas
teve de recolher-se
das estrelas
de sua imaginação
PRAGMATISMO ESTÉTICO
A disciplina é quase tudo
menos o dia-a-dia
o poema é quase nada
mais a inspiração
na falta solidária do mesmo quase
faz-se o poema
vive a poesia
(1991)
OBSESSÃO
Outra vez o poema sonâmbulo
o sonho do poeta outra vez
agora perto
os pés
näo a forma
a mesma
ardente lisa fugidia pronta:
um ângulo reto
uma estrela de sombras
um poema ao revés.
(1991)
AFRESCO
No banco de jardim
da praça Santa Rita de Cássia
em Sales Oliveira
sentados meu pai e eu
- ambos ausentes: um pela morte
outro pela vida -
resolvemos lembrar
as velhas sombras
que abrigam
os esquecidos
METONÍMICO
Enquanto repouso:
janelas
e quando já
nelas: cotovelos
de
lembranças
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S Á B A D O
Depois de amanhã
vou recomeçar vida nova:
ao invés de subir pelas paredes
toda vez que a vejo com felicidade
vou descer a pé
ante pé
a ladeira da saudade
(Mascarada)
A D V E R T Ê N C I A
Cuidado, leitor!
Ao dobrar está página,
nada tema: o poeta
é só um sonho do poema.
(Geração)
VOGT, Carlos. Paisagem doméstica. Óleo de capa de Arcangelo Ianelli. São Paulo, SP: Massao Ohono / Ismael Guaranelli Editores, 1984. s. p. 18x18 cm. “ Carlos Vogt “ Ex. bibl. Antonio Miranda
DECRETO
A vida
— como contrario —
não pode ser impedimento
para viver
salvo
disposições em contrato
P A I S A G E M D O M É S T I C A
Desavenças de casos
secam avencas
nos vasos
(Paisagem Doméstica)
R E F L E X Ã O I N Ú T I L
Na realidade
os generais
são
em geral
mais
realistas
que
generosos
(Cantografia)
M E TA L U R G I A
para João Baptista
Ponho a palavra em estado de gramatical ofensa,
no torno retalho suas redondezas,
desgasto obsessivo com a broca da caneta
o que há de angular e mole na sentença.
Fora, uma forma enxuta, dentro, amor de sequidões,
ovo sozinho sem nenhum conceito a circundar-lhe a
norma
de ser só ovo, sêmen contido, casca de memória.
Fazer abrasivo:
a lima, a lixa, a mão desgastam por extornos
a rixa com o verso, a rima com o avesso;
no chão, limalhas, matéria de contornos;
na página, o poema:
liso, úmido, duro como gelo.
(Metalurgia)
J A R D I N S
Em frente à minha casa tem um pequeno jardim de rosas;
é o jardim da casa, mas antes o jardim de meu velho pai,
e sendo dele, porque ele o fez com zelo,
tem em cada flor a nostalgia de suas mãos de pai e de
[artesão.
No que me cabe é meu, por ser da casa,
que por ser minha na circunstância casual da posse e da
[ansiedade,
me deixa estar ali sentado nessa varanda de luz, ocaso e
[generosidade
a ruminarmos juntos e desdentados – velho um, outro
[criança –
a lembrança neutra de vegetais no vaso.
(Metalurgia)
U LT R A R R E A L I S M O
A vida
limita
a arte
(Ilhas Brasil)
P O É T I C A
Ética é
a obrigação de ser livre
para cumprir
com dignidade
a condição humana.
(Pisca-alerta)
De
MASCARADA
Campinas: Pontes; Editora da UNICAMP, 1997
MÍMESE
Se a vida a arte
como punir
o plágio da existência?
ESTÉTICA
Estéril
diante da folha em branco
amasso o bloco
de pedra
que devia talhar
CELULAR
Dá-se que a manhã tecida de começos de ausência
estendeu degarinho
— primeiro a surpresa
embora fosse de longos anos a espera da partida —
depois a dor aguda da presença da vida
que se despede
aos poucos
se instalando a dor
só
dor
MASCARADA
Se disser convicto que minto ao olhar nos seus olhos tristes
não é
verdade seus olhos
a mentira é um estado
— covarde —
mas de afirmação
Sou campeão em plantar cidades e desbravar florestas
de alfaces
induzo canários da terra a comerem palha de liberdade
por alpiste
sua resposta não conta senão para retificar meu zelo
em conservar invicta
— o coração resiste —
a atividade insana e consciente de meus erros
Não me lembro de jamais ter chegado atrás
de minha própria face
embora enquanto o mar amedronta a ilha
do meu e do alheio medo
vou me perdendo na verdade de que assim mesmo
a maratona das tristezas será vencida
pelas lesmas dos disfarces
ALTERIDADE
O eu do outro
o outro do eu
o outro do outro
eu
TERTIUS
Sempre fui contra
o dissabor
de ser contra
ou a favor
De
Carlos Vogt
CANTOGRAFIA
São Paulo: Massao Ohno, Hucitec, INL/MEC, 1982.
"Palavras de relevo quase palpável por causa da evidência em que são postos os monossílabos intercalados. / Com tais peças e mais algumas, Carlos vai armando os seus poemas, ou, para evocar o processo descrito num dos mais belos deste livro, "Ateliê", recortando o montando a realidade do mundo e do sonho por entre sínteses apertadas, soldas autogênicas e lúcidas elipses. Por isso, não há futilidade no seu jogo, mas uma autenticidade destilada até produzir a gota mais límpida." Antonio Candido
Ateliê
Recorta a tarde
tesoura
da memória
de um lado
a ponto por ponto
cruz
da nau tecida
do outro
apagada imagem
uma dor
de agulhas
entre
a mesa posta
o travesseiro brando:
retalhos
Metonímico
Enquanto repouso:
janelas
e quando já
nelas: cotovelos
de
lembranças
Poeminha esotérico
Havia um súcubo
como outros
íncubo
senão com um porém:
só era
enquanto
outros
também
Carlos Vogt
Metalurgia
São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 119 p.
J A R D I N S
Em frente á minha casa tem um pequeno jardim de rosas;
é o jardim da casa, mas antes o jardim de meu velho pai,
e sendo dele, porque ele o fez com zelo,
tem em cada flor a nostalgia de suas mãos de pai e de artesão.
No que me cabe é meu, por ser da casa,
que por ser minha na circunstancia casual da posse e da ansiedade,
me deixa estar ali sentado nessa varanda de luz, ocaso e generosidade
a ruminarmos juntos e desdentados —velho um, outro criança —
a lembrança neutra de vegetais no vaso.
Página publicada em abril 2008; ampliada e republicada em maio de 2010; ampliada e republicada em abril de 2011; ampliada e republicada em agosto de 2015. |